domingo, março 28, 2010

Taxa de Juro

Artigo de Hugo Domic














Agradeço ao Professor José Paulo Oliveira o convite para escrever um artigo para o seu blog, ao qual desejo muito sucesso e muitos seguidores. No artigo seguinte sucintamente irei explicar a formação do conceito de taxa de juro, e a sua utilização actual.


No presente momento é fundamental compreendermos um dos factores económicos mais importantes da nossa ciência, a taxa de juro.

Böhm-Bawerk deu três razões para explicar porque as taxas de juro são positivas.

Primeiro a utilidade marginal dos rendimentos das pessoas ( salários por exemplo) irá diminuir ao longo do tempo porque naturalmente esperam rendimentos superiores no futuro.

Segundo, por razões psicológicas a utilidade marginal de um bem declina com o tempo.

Por estas duas razões, que nós economistas chamamos “ preferência temporal positiva” ( positive time-preference” as pessoas estão dispostas a pagar uma taxa de juro positiva para ter acesso a recursos no presente. E insistem em ser pagas com juro por ceder do acesso a esses recursos. Estas duas premissas são aceites como razões válidas para a preferência temporal positiva.

Mas a terceira razão de Böhm-Bawerk - a “superioridade técnica de bens presentes sobre bens futuros”- foi mais controversa e mais difícil de entender. A produção é um processo cíclico, o que significa que leva tempo. Usa capital, para transformar factores não produzidos – como a terra e o trabalho- em output. Os métodos de produção cíclica significam que a mesma quantidade de input podem render um output superior. Böhm-Bawerk pensava que o retorno liquido do capital é o resultado do maior valor criado pelo processo cíclico.

Um exemplo expõe melhor o caso. Um líder de uma aldeia pescatória primitiva, pode mandar os seus cidadãos ( sem equipamento ) saírem para o mar apanhar peixe suficiente para a sobrevivência da aldeia por um dia. Mas se deixarem o consumo de peixe por um dia e usarem esse factor trabalho para produzir redes de pesa, linhas e ganchos ( capital) cada pescador pode apanhar mais peixe no dia seguinte e nos dias a partir desse.

Irving Fisher um dos maiores economistas matemáticos da história, dedicou o seu livro “The Theory of Interest” a Bohm-Bawerk. Mas apesar da sua admiração pelo trabalho de Bawerk, Fisher não aceita a terceira razão utilizada por Bawerk que o processo cíclico necessariamente aumenta a produção. Argumentando que com uma taxa de juro positiva, ninguém escolherá um período mais longo a não ser se esse período for mais produtivo. Então por este processo, concluímos que períodos mais longos são mais produtivos. Mas o comprimento desse período não contribui por si só para a produtividade

A versão de Fisher reflecte a maneira que os economistas pensam ainda hoje.

A importância de Fisher e Bawerk deve-se ao facto de justificarem a taxa de juro como um processo de Mercado, através das expectativas e do processo produtivo.

Assim a intervenção dos governos e Bancos Centrais, nos níveis da taxa de juro são prejudiciais para o processo produtivo e para o processo Económico

A taxa de juro pela sua origem e definição deve somente ser consequência das percepções que os agentes têm do mercado, das suas preferências, das suas escolhas, e das oportunidades de investimento que surjam.

Infelizmente o trabalho de Fisher foi ignorado por causa da proeminência do trabalho de Keynes. E o controlo das taxas de juro tornou-se obrigatório para qualquer soberania.

Os problemas que derivam deste controlo são fundamentais para percebermos as falhas dos sistemas económicos modernos. Muitos acreditam que pelo controlo das taxas de juro (e da circulação da moeda) falhas de mercado são impossíveis, porque o mercado supostamente tem de reagir mecanicamente as variações da taxa de juro. Mas apesar do que é escrito nos textbooks que usamos no estudo da economia, esta não pode ser controlada. Não é possível através de qualquer instrumento controlar a economia, a economia é um organismo vivo consequentemente não podem ser previstas as suas acções. A taxa de juro é um dos instrumentos mais importantes da actividade económica, porque traduz transparência das preferências dos investidores, porque permite alocar eficazmente os recursos ( é necessário lembrar que um dos objectivos da ciência económica é de estudar os mercados para melhor alocar os recursos), permite que os bons activos sejam recompensados, que os bons projectos sejam recompensados. Que apenas os melhores tenham acesso a factores produtivos (capital) facilmente, e que os que não o consigam que melhorem ( destruição criativa) de modo a que consigam.

A intromissão dos Governos e dos Bancos Centrais nas taxas de juro criam deturpações gravíssimas nos mercados. E tudo isto parte da falácia que a riqueza, o desenvolvimento e o emprego podem ser positivos pelo controle do dinheiro e das respectivas taxas de juro. Esta falácia é muito perigosa e popularizada no meio académico porque é algo fácil de adoptar e de explicar aos leigos, mas não é cientificamente e economicamente verdade. Apenas a produção cria riqueza (não a produção de papel-moeda, pelo menos não do modo que os keynesianos acreditam que cria).

É a produtividade que desenvolve as nações, e a taxa de juro é a recompensa da produtividade, ou apenas de uma boa oportunidade de negócio. Mas não quando esta é controlada por um corpo central. Só quando a taxa de juro é completamente entregue ao mercado, este pode comportar-se racionalmente. As bolhas económicas como a que presenciamos na última década dão toda a evidência empírica que este artigo necessita. Taxas de juro artificialmente controladas, criam bolhas artificiais, com efeitos sistémicos, porque a taxa de juro é igual para todos no território.

A taxa de juro tem de ser livre para seguir padrões racionais, porque é impossível que todos os investidores tenham a mesma preferência temporal e a mesma disponibilidade ao mesmo tempo. As bolhas económicas principalmente as dos E.U.A têm sido geradas por taxas de juro baixas, porque todos os investidores podem ter acesso a capital pelo mesmo preço.

Para um não estudioso é impensável o tempo em que ainda se discutia o nível natural das taxas de juro de um país, ou de um sector produtivo em particular.

Existe uma necessidade extrema de se voltar a perceber os processos básicos da Economia, de se estudar a Economia não como algo completamente controlável, tomando os cidadãos como peões, mas pensar na economia como um instrumento libertador. A nossa ciência tem um poder sobre a vida das pessoas superior a qualquer outra, temos de nos responsabilizar pelas consequências dos erros e das falácias de alguns economistas mas mostrar os caminhas certos, e revelar a verdade económica. Porque é a função e a obrigação do economista defender a verdade económica, imparcialmente e sem ceder ao populismo. Porque em termos de ciência a nossa a cada dia que passa perde credibilidade.

2 comentários:

rui seybert p ferreira disse...

Wow, gostei. Gostei de vários conceitos abordados neste artigo mas a frase que mais me tocou foi sem dúvida:

"É a productividade que desenvolve as nações, e a taxa de juro é a recompensa da produtividade(...)".

Umas das coisas que os economistas podem fazer para salvar a credibilidade da sua ciência, é exactamente voltar aos 'basics' e dar-se ao trabalho de explicar em palavras acessíveis os conceitos económicos mais básicos das nossas vidas. Aqueles que todos usam sem se aperceber, de que são instrumentos poderosíssimos da teoria económica. Tal como enchemos os nossos pulmões de ar sem dar por ela, isso deve-se a um processo físico e químico complicadíssmo. O mesmo se aplica à teoria dos preços e às opções de consumo (ou não). Sem nos apercebermos, vivemos a prática de teorias económicas todos os dias. E quando as falhamos, temos bolhas, inflação, desemprego, juros mais altos ou mais baixos...

Mas a questão técnica que falha um pouco neste artigo, é fazer a distinção dos juros de curto e longo prazo. Os bancos centrais só conseguem manipular os juros de curto prazo. Ora são os juros de longo prazo que mais impacto têm na alocação eficiente de recursos e, por conseguinte, na productividade.

O que de facto falhou nesta última bolha financeira, não foi a política monetária de curto prazo. Foi sim, a falha dos mercados em formar o juro correcto de longo prazo. Ora esse juro é indexado aos Treasuries de 10 e 30 anos do governo americano. E quem mais contribuiu para essa falha? Pois as compras maciças de Treasuries dos países emergentes e dependentes das suas exportações para os EUA. Sem dúvida que foi um evento histórico, generacional e não repetível ou sustentável.

O leitor já percebeu que destes países o mais importante foi a China que usou os EUA para se industrialisar e causar uma mega realocação de recursos do seu sector agrário para o industrial.

O USD ser uma moeda de reserva mundial foi um presente envenenado para os EUA. Qualquer outra moeda teria sofrido uma crise da sua balança de pagamentos e teria sido vítima de um programa de reajustamento do FMI. Tal como o Brazil o fez recentemente, talvez os EUA deveriam ter cobrado um imposto sobre entradas de capital para investimentos financeiros...=)! E esta?

Sobra agora a manipulação maciça do FED nos juros de longo prazo para minimizar o fim da bolha, via os seus mecanismos de "quantitative easing". Isso têm de acabar pois perpétua o efeito perverso que teve o investimento chinês (e de outros) no mercado dos Treasuries. A 'curva de rendimentos' no USD devia ser bem mais inclinada para o bem do futuro da economia americana. Está a ter um efeito perverso na, tal tão falada, alocação eficiente de recursos.

Jose Paulo Oliveira disse...

Sem dúvida que este é um artigo muitíssimo bem estruturado, talvez menos na linha das polémicas posições intelectuais do Hugo Domic, um economista liberal no sentido mais profundo do termo, mas ainda assim conceptualizando a Taxa de Juro como medida de produtividade, o que penso ser correcto para o Factor Produtivo Capital, mas apresentado aqui como medida geral da produtividade numa economia o que é um salto enorme e um avanço conceptual.
Quanto à estrutura temporal das taxas de juro, penso que a falha dos mercados na expectativa que conduziu à formação das taxas de longo prazo teve a sua génese na subavaliação do risco dos mercados. Curiosamente, esse risco estava sistematicamente a ser observado para os países emergentes e falhou precisamente nos mercados maduros.
Quanto a ter sido a China a usar os Estados Unidos da América para se industrializar, que tal pensarmos que foram as companhias transnacionais originárias dos Estados Unidos que industrializaram a China, fizeram mega transferências de tecnologia e criaram os défices gémeos?
Boa Páscoa a todos e continuação de raciocínios macroeconómicos.