terça-feira, junho 22, 2010

Martin Feldstein: Crónica de uma crise monetária anunciada

(Artigo de opinião publicado no Jornal de Negócios)

A crise na Grécia e os problemas da dívida em Portugal e Espanha expuseram as falhas inerentes do euro. Nem todas as garantias financeiras - e muito menos a retórica tranquilizadora - da União Europeia podem ocultá-las. Após 11 anos sem contratempos desde a criação do euro, os problemas fundamentais do acordo tornaram-se demasiado óbvios.

A tentativa de estabelecer uma moeda única para 16 países independentes e muito diferentes estava destinada a fracassar. A mudança para uma moeda única significa que cada Estado-membro perde a capacidade de controlar a sua política monetária e as taxas de juros de forma a responder às condições económicas nacionais. Significa ainda que a taxa de câmbio de cada país deixa de responder aos efeitos acumulados das diferenças na produtividade nos padrões globais de procura.
Além disso, a moeda única enfraquece os sinais do mercado que, de outra forma, avisariam um país de que o seu défice orçamental está a tornar-se excessivo. E quando um país com um défice orçamental excessivo precisa de aumentar os impostos e reduzir os gastos públicos, como a Grécia está a fazer actualmente, a consequente contracção do produto interno bruto e do emprego não pode ser reduzida pela desvalorização da moeda que permite aumentar as exportações e reduzir as importações.

Como é que os Estados Unidos conseguem, então, ter uma moeda única apesar das enormes diferenças que existem entre os 50 Estados? Há três condições económicas chave - nenhuma delas existe na Europa - que permite aos diferentes Estados norte-americanos viver com uma moeda única: mobilidade do mercado labora, flexibilidade salarial e autoridade orçamental central.

Quando as indústrias têxteis e do calçado do Nordeste americano deixaram de funcionar, os trabalhadores foram para Oeste, onde estavam a nascer novas indústrias. Os desempregados da Grécia, Portugal e Espanha não vão para outras regiões em crescimento na Europa devido às diferenças na linguagem, história, religião, sindicatos, etc. Além disso, a flexibilidade salarial significou que o crescimento sustentável mais lento dos salários nos Estados que perderam indústria ajudou a atrair e reter outras indústrias. E o sistema orçamental norte-americano ajudar a recolher dois terços de todos os impostos a nível nacional, o que implica uma transferência orçamental líquida substancial e automática para os Estados com rendimentos temporariamente mais baixos.

O Banco Central Europeu deve definir uma política monetária para a Zona Euro como um todo, mesmo que essa política seja altamente inapropriada para alguns Estados-membros. Quando a procura na Alemanha e na França era relativamente fraca no início da década, o Banco Central Europeu reduziu acentuadamente as taxas de juro. Isso ajudou a Alemanha e a França mas também inflacionou as bolhas imobiliárias na Espanha e na Irlanda. O recente colapso dessas bolhas causou um acentuado abrandamento da actividade económica e aumentos significativos no desemprego dos dois países.

A introdução do euro, que implicava uma taxa de inflação comum baixa, provocou fortes quedas nas taxas de juro da Grécia e de outros países que anteriormente tiveram taxas elevadas. Esses países sucumbiram à consequente tentação de aumentar o endividamento público, levando o rácio da dívida pública face ao PIB para valores superiores a 100% na Grécia e na Itália. Até há pouco tempo, o mercado das obrigações tratou as dívidas soberanas da Zona Euro como virtualmente iguais, sem aumentar as taxas de juro dos países com dívidas elevadas até que a possibilidade de incumprimento fosse evidente. A necessidade de ajustamentos orçamentais maciços uma desvalorização da moeda para compensar vai levar Grécia e possivelmente outros países ao incumprimento da sua dívida pública, provavelmente através de algum tipo de reestruturação da dívida suportada pelo Fundo Monetário Internacional.

O euro foi promovido como necessário para um comércio livre entre os Estados-membros, segundo o lema "Um mercado, uma moeda". Como é óbvio, na realidade, uma moeda única ou uma taxa de câmbio fixa não é necessária para o comércio aumentar. Os Estados Unidos têm uma receita anual do comércio de mais de dois biliões de dólares, apesar de uma taxa de câmbio flexível que sofreu fortes subidas e descidas nas últimas décadas. A área norte-americana de Comércio Livre aumentou o comércio com o Canadá, o México e os Estados Unidos, tendo todos eles taxas de câmbio independentes e variáveis. O Japão, a Coreia do Sul e outros parceiros comerciais da região, têm taxas de câmbio muito flexíveis. E, obviamente, apenas 16 dos 27 Estados-membros da União Europeia utilizam o euro.

Apesar de todos os problemas, é provável que o euro sobreviva à crise actual. Mas nem todos os actuais Estados-membros da Zona Euro poderão fazer parte da região dentro de um ano. Em retrospectiva, é claro que se permitiu que alguns países aderissem prematuramente, quando estes ainda tinham enormes défices orçamentais e elevados rácios da dívida. Além disso, a composição industrial de alguns países e as baixas taxas de crescimento da produtividade significam que uma taxa de câmbio fixa os condena a ter défices comerciais cada vez maiores.

Para terminar, alguns mecanismos de supervisão e controlo reforçado podem ser adoptados para limitar défices orçamentais futuros. Mas, mesmo com um grupo de Estados-membros mais pequenos e algumas alterações nos procedimentos do défice, os problemas fundamentais de forçar países diferentes a viver com uma política monetária única e uma taxa de câmbio únicos vão continua
Martin Feldstein, professor de Economia em Harvard, foi presidente do Conselho Económico do presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan e presidente do Gabinete Nacional de Pesquisa Económica norte-americano.

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