quinta-feira, junho 17, 2010

Análise BPI: Nova ronda de descrédito?

(Texto de Agostinho Leal Alves, do Departamento de Estudos Económicos e Financeiros do BPI, Publicado no Diário Económico)
Retornou aos mercados a desconfiança quanto à saúde financeira dos estados do sul da Zona do euro, numa sequela revisitada.


Com a nova revisão em baixa da notação da dívida soberana grega em quatro níveis para "Ba1", por parte da agência Moody's, prevê-se que também a dívida espanhola e portuguesa voltem a ser escrutinadas, estando já sob pressão antecipada do mercado.

O corte da classificação das obrigações soberanas gregas para níveis especulativos fará com que vários fundos de investimento, fundos de pensões e outros investidores se desfaçam destes títulos, arrastando a fuga de dívida de outros países da UEM em dificuldade. O que agrava ainda mais a situação financeira desses países. Neste âmbito, e com a desconfiança e aversão ao risco no seu ponto mais alto, o governo espanhol reconheceu que os bancos espanhóis enfrentam presentemente problemas de financiamento no mercado interbancário. É um facto que diminuiu a confiança no país nos mercados financeiros, levando a que o recurso ao BCE pelos bancos e caixas de poupança espanholas atingisse o valor global de 85 mil milhões de euros, cerca de 16.5% do dinheiro emprestado na Zona Euro. As preocupações agravaram-se quando se soube que Dominique Strauss-Kahn, Presidente do FMI, fará uma visita a Madrid, aumentando os rumores de que Espanha poderia recorrer à ajuda internacional, nomeadamente ao fundo de estabilização de 750 mil milhões de euros criado em Maio em conjunto pela UE e pelo FMI. Negada a situação de emergência financeira, o Tesouro Público espanhol realizou com sucesso ofertas de títulos de dívida a 10 e 30 anos, de modo a cumprir os vencimentos de créditos deste mês. Foi colocado no mercado 3 mil milhões de euros em obrigações a 10 anos e 479.2 milhões de euros a 30 anos, a taxas de 4.864% e 5.908%, respectivamente. A procura superou largamente a oferta e os juros pagos pelo estado espanhol foram os valores máximos dos últimos 2 anos, mas em termos de spread para o benchmark foi alcançado um valor histórico recorde, já que as yields do Bund a 10 e a 30 anos encontram-se em níveis mínimos.

Entretanto, Portugal emitiu Bilhetes do Tesouro a 9 meses com a procura a alcançar 1.8 vezes a oferta, inferior aos 2.3 da emissão de Maio. Entre estas duas emissões, espelhando as actuais dificuldades, verificou-se um agravamento da taxa de juro da colocação de 2.443% para 2.689%. Já na semana passada a tendência era de agravamento dos juros com a taxa de emissão de obrigações do Tesouro a 10 anos a alcançar os 5.225%. No mercado secundário, o prémio face ao Bund exigido pelos investidores para comprarem dívida portuguesa a 10 anos também voltou a spreads máximos (muito próximo dos 300 pontos).

Com a passagem da presidência espanhola para a belga da UE, está a decorrer o Conselho Europeu de chefes de estado. Para além de outros temas, na agenda vai estar a disciplina orçamental e a coordenação de políticas económicas, numa altura em que os mercados financeiros continuam a escrutinar com severidade os estados membros mais débeis e a própria moeda única europeia. Em prol de maior verdade e transparência financeira, há quem defenda a divulgação pública dos testes de solidez às contas individuais dos bancos (stress tests), de modo a trazer maior tranquilidade aos mercados. Por outro lado, a liquidez do sistema continua exclusivamente dependente dos bancos centrais, neste caso do europeu, sendo praticamente inexistentes as tomadas e cedências interbancárias. E o que se pretende é que este mercado retome gradualmente a normalidade.

Para já os mercados jogam com estes factores, aguardando-se novidades que dêem uma orientação clara aos investidores. Apesar da recente recuperação do euro face às moedas rivais, o refúgio deverá continuar direccionado ao dólar e ao franco suíço, embora de forma menos acentuada. A fuga para a qualidade deverá também diminuir, beneficiando os mercados bolsistas. Recorde-se que, na primeira metade do ano, a prestação dos principais índices bolsistas dos dois lados do Atlântico ou tem sido nula ou mesmo negativa (IBEX 35 e PSI 20 chegaram a verificar uma quebra de mais de 20%).

1 comentário:

Jose Paulo Oliveira disse...

O EURO recuperou durante os últimos dias face ao USD não porque os fundamentais das economias se tenham alterado, mas apenas porque os Bancos Centrais da Zona Euro estão activamente a intervir nos mercados. Inevitavelmente, os especuladores aproveitarão a oportunidade de comprar barato o que amanhã irão vender mais caro...
Tal como no Judo, disciplina em que um atleta aproveita a força e movimento do outro atleta para o derrubar, também neste caso os especuladores verão os seus lucros engrossarem pela tentativa vã de manter cotações irrealistas.
Há gente que não aprende. Para nosso azar cometem erros repetidos à custa do nosso bem-estar!