quarta-feira, julho 07, 2010

Risco de nova recessão é uma dor de cabeça para Portugal

(Notícia do Jornal EXPRESSO)
Se houver recaída mundial na recessão, a reestruturação da dívida portuguesa tornar-se-á premente. O momento incontornável chegará mais cedo, sublinha-nos Ricardo Cabral, professor de Economia da Universidade da Madeira, que já alertara no Expresso para a inevitabilidade de um reescalonamento das dívidas soberanas no grupo de países da zona euro designado por PIGS (acrónimo pejorativo para Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha).


A recaída mundial na recessão - double-dip, na designação anglo-saxónica agora em voga - acarretará "menores taxas de crescimento nominal e mais elevadas taxas de juro que dificultarão o pagamento da dívida e que, portanto, tornam mais provável uma situação de incumprimento. Aceleram algo que, como defendi antes, é na prática inevitável". No entanto, o economista acautela que, nos tempos que correm, "os mercados são algo imprevisíveis e é difícil antecipar o comportamento do Banco Central Europeu, que se afigura critico na situação em que os PIGS se encontram".

Só a psicologia já molesta

Mesmo sem uma recaída eminente, só o próprio receio dos investidores internacionais em relação a um double-dip pode afectar negativamente a situação nos países mais frágeis, como o nosso, de "duas formas", adianta o professor. Por um lado, as expectativas mais negativas podem afectar o investimento, as exportações e outros indicadores vitais da economia, levando a uma queda da taxa nominal do crescimento económico. Por outro lado, uma maior aversão ao risco nos mercados financeiros internacionais pode gerar um aumento do prémio de risco exigido aos activos financeiros, o que poderá implicar um aumento da taxa de juro nominal sobre a divida pública e privada dos PIGS.

Como se sabe, o nível de endividamento na generalidade das economias desenvolvidas (e, em particular, dos PIGS) está a um nível historicamente elevado. O que torna a situação actual mais frágil em relação a outras situações de risco de double-dip no passado. "Se a taxa de crescimento económico nominal baixar, aumenta naturalmente a dificuldade em gerar rendimento para pagar os juros dessa divida", recorda Ricardo Cabral, que dá um exemplo: "Se a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nominal é de 3% e a taxa de juro a que a dívida é financiada é de 5%, então o peso do serviço da dívida em percentagem do PIB aumentará. Contudo, se a taxa de crescimento do PIB for 5% em termos nominais e a taxa de juro a que essa dívida é financiada é 4%, o peso do serviço da divida em percentagem do PIB diminuirá".

Missão possível?

No caso português o exercício "matemático" está feito. Ricardo Cabral recorda-o: "Portugal, para estabilizar a sua posição líquida de investimento internacional em percentagem do PIB em 2019 ao mesmo nível que a actual, teria de registar uma taxa de crescimento nominal [significa que não é "descontada" a inflação] de cerca de 7,5% e simultaneamente reduzir o défice comercial de 7,7% do PIB em 2009 para 1% do PIB em 2014 e mantê-lo em 1% do PIB o resto da década". Missão possível?

Em suma, se a psicologia recessiva se acentuar entre os investidores internacionais e por contágio nos agentes da economia real, isso levará, por um lado, "a uma redução da taxa de crescimento económico, o que tornará o serviço da dívida (i.e., pagamento dos juros) mais oneroso (em percentagem do PIB) e, por outro, "a uma maior aversão ao risco nos mercados financeiros fazendo com que essa divida seja refinanciada a taxas de juros mais elevadas, tornando o serviço da dívida também mais oneroso em percentagem do PIB".

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