sábado, abril 10, 2010

"Os mercados vão cair, não é possível prolongar a ficção"

(Publicado no EXPRESSO Online)
Para o homem que escreveu "O Crash de 2010", este seria o ano do regresso às imagens de profunda depressão equiparáveis às dos anos trinta do século XX. Agora, Santiago Niño Becerra acredita que a realidade está ainda pior e que as melhorias nos mercados financeiros são mera ficção.

Se saír da crise financeira dependesse das bolsas mundiais, o último ano tinha sido muito favorável. As acções norte-americanas subiram 46%, as europeias cresceram 48% e até as portuguesas recuperaram 36% do valor atingido no final de Março de 2009. Contudo, são os números do desemprego que contrastam com as melhorias financeiras. Na Zona Euro, a taxa de desemprego subiu dos 9,1% para os actuais 10% enquanto nos Estados Unidos o rácio de desempregados cresceu dos 8,9% em Abril de 2009 para os 9,7% que se verificavam agora em Março de 2010.


Há quem acredite que desemprego elevado é apenas um dos males que vão tomar a economia. Santiago Niño Becerra , catedrático de Estrutura Económica da universidade Ramon Llull em Barcelona e autor do livro "O Crash de 2010", é bem mais pessimista que a maioria dos organismos internacionais e os seus avisos esbarram com os anseios de investidores. "A crise, a verdadeira crise, quando rebentar, em meados de 2010 será tremenda, paralisante, uma autêntica queda a pique", lê-se no epílogo da obra do académico espanhol.

Agora, não é mais animador o cenário traçado por Niño Becerra para quem procura oportunidades no mercado de capitais. Em resposta às perguntas do Dinheiro, o autor acredita que ainda há muito caminho para as bolsas caírem e indica que a China está envolta em duas bolhas, financeira e imobiliária.

P: No final do seu livro "O Crash de 2010", prevê que a deflação, depressão e a verdadeira crise serão sentidas em 2010. Estamos mais perto desse cenário ou estamos a salvo agora?
R: A realidade permanece a mesma, está realmente pior, penso eu. Quando escrevi o livro, os problemas financeiros dos PIIGS [Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha] não pareciam tão perto. Acho que a economia mundial está a viver de forma assistida, como numa unidade de cuidados intensivos, à base de incentivos, garantias e promessas, e que muitas empresas estão a produzir para renovar inventários, mas o peso da dívida mantém-se e as possibilidades de ser paga são cada vez menores.

P: Depois de um terrível ano de 2008, os mercados financeiros, especialmente o mercado accionista, recuperaram. Pensa que isto é apenas uma brisa passageira ou julga que os riscos de colapso continuam?
R: Os mercados recuperaram porque os fizeram recuperar. Nada na economia real justifica estas subidas nas cotações. Por um lado, foi muito fácil para as instituições financeiras ir ao BCE [Banco Central Europeu] buscar fundos a 1% e adquirir mais dívida que rendia muito mais. Por outro, as expectativas criadas sobre a América Latina mudaram-se para a Europa sob a forma de aumento dos preços. Além disso, por não existirem alternativas certas, criaram-se expectativas fictícias. Os mercados, acredito, vão cair, pois é evidente que não é possível continuar a prolongar esta ficção.

P: Ainda acredita, como diz no seu livro, que as economias emergentes como China, Índia e os países da América Latina e África, serão os mais afectados pela crise de 2010? Quais são as suas previsões para estas regiões?
R: Sim, sem dúvida. A China está imersa numa dupla bolha financeira e imobiliária gigantesca, além disso, tem uma bomba-relógio: 1,3 biliões de dólares de dívida ligados a um modelo lento, pesado e corrupto. Na Índia, acho que há áreas com potencial, embora, tal como a China, depende fortemente do exterior, como a América Latina. África tem apenas commodities, nada mais, o que é extensível à América Latina. Por exemplo, a Bolívia. Se retirar o lítio e o gás, o que resta?

P: O ouro estabeleceu um recorde máximo em dólares, o petróleo tem estado a subir e algumas outras matérias-primas estão a ganhar terreno. Pensa que o pior para as commodities já passou, depois das quedas de 2008?
R: O ouro, excepto o que tem uso industrial, não é uma commodity, é um bem para especular. As cotações das commodities baseiam-se em dois parâmetros: o seu consumo e a especulação. O segundo foi manipulado, o primeiro tende a descer, para recuperar a partir de 2013. Mas um maior consumo vai juntar-se com a escassez, pelo que é expectável uma subida muito forte dos preços das commodities no médio prazo.



P: Se usássemos o seu livro com guião para o rumo da economia, deveríamos estar agora a entrar numa fase em que a crise parece inevitável, seguida de escassez de bens energéticos como o petróleo e o gás. Do que tem visto, o rumo está a ser seguido?
R: Penso que podem estabelecer-se regulações sobre a disponibilidade das matérias-primas, principalmente do petróleo.

P: Um dos sectores que parece ter sido poupado pela turbulência é o da biotecnologia. Este será um sector-chave no futuro?
R: Ainda não somos capazes de imaginar o progresso que a biotecnologia vai ter no futuro, não só no que diz respeito à medicina, mas, na indústria e na agricultura, e combinado com a nanotecnologia. Além disso, quando a crise estalar com toda a violência, os bloqueios éticos que existem actualmente desaparecerão, o que irá incentivar ainda mais o seu desenvolvimento.

P: Pensa que as questões ambientais e as alterações climáticas serão postas de parte em alguma altura? Países como Portugal estão a investir e a tentar incentivar o uso de carros eléctricos. Medidas como esta estão ameaçadas quando a crise se agravar, como escreve no seu livro?
R: O que entendo que será a mudança sistémica que virá com a crise será a adopção de uma postura baseada na produtividade e eficiência, sendo que os desenvolvimentos que se produzirem virão desse lado. O carro eléctrico, por exemplo, não resolve o problema do desperdício de recursos: um automóvel é um bem que está subutilizado. Usado por 1,1 pessoas por diadurante não mais de duas horas, é absurda a quantidade de aço, vidro, lubrificantes, têxtil e energia empregados na construção desse mesmo carro que se são subutilizados. O modelo baseado no transporte individual não é eficiente, independentemente de se mover a gasolina ou energia eléctrica. Penso que isto deve alterar-se. É dizer: vamos fazer um modelo de comunicação baseado na combinação das infraestruturas comuns de telecomunicações e o transporte colectivo. Em todos os âmbitos da economia.

2 comentários:

Jose Paulo Oliveira disse...

Para nós será 2011!
Afinal estamos condenados a fazer um ajustamento violento. O Governo Português evitou que esse ajustamento ocorresse já em 2010, talvez por não existir maioria absoluta de um só partido no parlamento, mas em compensação esse ajustamento terá de ser mais forte em 2011. Ironia do destino, talvez um Presidente da República hostil ao Primeiro-Ministro aproveite para dissolver a Assembleia da República e convoque eleições mesmo a tempo dos portugueses estarem a sofrer os efeitos do ajustamento...

rui seybert p ferreira disse...

mmmmhhhh, não sei se posso levar muito a sério o Sage de Barcelona (não o de Omaha).

Concordo numas coisas mas discordo de outras, aliás de muitas outras. Principalmente a descrição claramente emotiva, de os carros serem um aglomerado de material e de tecnologia perfeitamente ineficiente por serem usados em média por duas pessoas e por 1.1 horas por dia. Estamos fartos de saber que a medida de eficiência têm que incluir o payback e os sentimentos e apreço que as tais 2 pessoas dão 1.1 horas por dia ao tal carro. Tal como a inflação têm que têr em conta de que, embora o preço de um laptop possa subir ou ficar igual, o que tecnologicamente vêm com o laptop é cada vez mais. Aliás, nos carros é a mesma coisa. Hoje em dia qualquer carro têm os 'extras'dos carros topo de gama de à uns anos atrás.

Bom, segundo os mercados accionistas NUNCA foram espelho da realidade económica. Foram sim, das expectativas futuras para a realidade económica descontadas para a realidade de hoje.

Concordo que os mercados accionistas possam descer, mas o que de facto interessa, é que não se volte a repetir o congelamento dos mercados creditícios. Já tivemos muitos 'crashes' dos mercados accionistas mas nunca dos mercados creditícios.

Todas as ajudas de 'estação de cuidados intensivos' tal como descritos pelo sage de Barcelona, só existem para apoiar os mercados creditícios, não os de acções. os bancos centrais 'could not care less' sobre acções.

Sim, absolutamente verdade, a China vai sofrer uma crise de crédito mal parado bancário (para com autoridades locais e empresas estatais note-se, não consumidores). Sim o imobiliário chinês têm algum 'froth' como diz o meu herói Greenspan, mas está muito bem suportado por procura real e secular, tipo os EUA depois da 2a. Guerra Mundial.

Tudo depende se a China deixa fortalecer o Yuan e assim o FED pode atrasar a subida das suas taxas. Uma subida do Yuan equivale a um aperto monetário nos EUA. Se o FED tiver que subir as suas taxas antes da economia americana se reequilibrar, vamos têr uma grande recessão, verdade. Mas o meu outro herói Tim Geithner está na China este fim-de-semana...Não é por acaso e ele até estudou lá...

Felizmente que a nossa velha Europa está em coma e assim a poupança mundial é investida no Brasil, India e alguns outros países menores. E assim é aí que a economia mundial vai crescer em quantos nós entramos em 'genteel e gentlemanly decline' como diz o The Economist. Até fazemos o favor de pagar dinheiros a quem diz que precisa, quando é a Europa que mais os precisa. Mas nós de bom grado hipotecamos o que temos para ajudar 'os pobrezinhos'.

Em suma, o sage de Barcelona sofre da doença da Europa: olhamos para o nosso umbigo e pensamo que ainda temos algum peso na dinâmica da economia mundial. Esqueçam, somos história e a ser ultrapassados por todos aqueles países que ainda têm sede de querer fazer coisas, incluindo os EUA e a China.

Repararam aonde é que o Obama foi assinar o novo START? A Praga!