domingo, fevereiro 21, 2010

Fontes de Financiamento para o Desenvolvimento

A necessidade de repensar as fontes de financiamento para a Ajuda Internacional ao Desenvolvimento emergiu como uma consequência inevitável da conferência do Milénio das Nações Unidas, em Setembro de 2000, em que foram adoptados os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Para atingir este conjunto de objectivos no ano 2015, será necessário, segundo o Relatório Zedillo, aumentar o volume actual de Ajuda em 50 mil milhões de dólares anuais, o que poderá ser feito duplicando o valor actual da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) ou encontrando fontes alternativas de financiamento.

Os líderes dos Países Desenvolvidos comprometeram-se a aumentar a APD em percentagem do PIB, da situação actual para uma média de 0.29 por cento do PIB dos países membros do CAD, em 2006. A APD representa um papel fundamental no desenvolvimento dos países com menos recursos, até porque são estes países que recebem menos capitais privados. Nos países menos avançados (PMA) os fluxos de capitais privados ficam-se pelos 3.64 por cento do PIB, muito abaixo dos valores dos países mais avançados.

Peso da Ajuda no PIB, 2002

(em percentagem)

Mundo 0.22

OCDE -

Sudeste Asiático e Pacífico 0.41

África Subsaariana 6.32

Países Pobres Altamente Endividados (PPAE) 8.95

Países Menos Avançados (PMA) 8.69

Fonte: BANCO MUNDIAL World Development Indicators 2004

Dada a ineficiência passada da APD, os países doadores começaram a sentir “fadiga da Ajuda”, como resultado em termos reais o auxílio ao desenvolvimento tem vindo a diminuir em percentagem do PIB dos países desenvolvidos.

É hoje reconhecido que, a utilização da condicionalidade (imposição de uma série de condições incluindo algumas de natureza política para concessão de Ajuda) não conduziu a melhores políticas, não acelerou o crescimento nem produziu melhores resultados. Existindo agora uma tendência para a Selectividade, ou seja seleccionar os países a ajudar com base nas provas dadas no passado.

Muitos países são demasiado pobres e/ou estão demasiado endividados para financiarem a sua transição para uma situação de desenvolvimento sustentável e nalguns casos as transferências de fundos de poupança doméstica em direcção aos países desenvolvidos, muitas vezes fundos apropriados pelas elites locais (incluindo os recursos que resultam da ajuda externa), com base em corrupção e outros meios ilegais, leva à necessidade de fundos externos para financiarem o seu desenvolvimento.

Os países em estádios iniciais e médios de desenvolvimento necessitam de amplas entradas de recursos financeiros que complementem as poupanças domésticas para financiar o investimento e consequentemente o crescimento económico. Uma vez que o problema do desenvolvimento económico está intimamente ligado à questão da redução da pobreza, observamos que o crescimento económico é a forma mais segura de retirar da miséria o maior número de seres humanos, pois o crescimento económico tende a beneficiar proporcionalmente todos os estratos sociais, incluindo o quinto mais pobre da sociedade, podemos afirmar que o crescimento é bom para os pobres, sendo a chave para a redução da pobreza.



O fenómeno da Globalização levou ao aumento dos fluxos de IDE com a perspectiva de produção multinacional, com divisão internacional do trabalho, beneficiando da redução de barreiras ao comércio e investimento internacional. Ao mesmo tempo, importantes inovações tecnológicas, no campo das telecomunicações e das tecnologias da informação facilitaram a coordenação das redes internacionais de produção (aumento da eficiência produtiva). Os mercados financeiros internacionais aumentam a eficiência e os lucros devido à divisão internacional do trabalho. O crescimento económico nos países emergentes é realçado não só pela disponibilidade de capital estrangeiro mas também pelo desenvolvimento dos centros financeiros locais que fazem a ponte com os mercados internacionais.

O IDE conduz a melhores práticas de gestão e potencialmente gerará “spillovers” tecnológicos que contribuem para o desenvolvimento económico. Os benefícios da globalização financeira são mais visíveis nos países em desenvolvimento com maior capacidade de absorção, logo para obterem maiores vantagens da integração financeira global os países devem procurar aumentar a sua capacidade de absorção. A capacidade de absorção de um país corresponde à quantidade de recursos financeiros que o país consegue utilizar para obter crescimento económico. A boa governação é um factor decisivo, condicionante da capacidade de absorção. Por outro lado, existe uma correlação positiva muito forte entre corrupção e má governação nos países em desenvolvimento.

Para atingir os Objectivos do Milénio, o Banco Mundial propõe uma solução com duas vertentes: Duplicar os actuais fluxos de Ajuda e realizar um novo compromisso com a “boa governação” por parte dos países receptores.

De entre as fontes alternativas de financiamento, podemos destacar as seguintes: aplicação de uma taxa sobre as transacções cambiais, apresentada por James Tobin ; criação de uma taxa “tipo Tobin” sobre as restantes transacções financeiras e a proposta de emissões especiais de Direitos de Saque Especiais (DSE) para doação aos países em desenvolvimento, apresentada por George Soros.

Segundo James Tobin, a excessiva mobilidade internacional dos capitais privados é o principal problema do sistema monetário internacional. O estabelecimento da convertibilidade completa entre as várias moedas e a desregulamentação dos mercados financeiros permitiu que os capitais financeiros se movimentassem rapidamente de um país para outro, em busca de uma maior rendibilidade, o que tem um enorme efeito limitador sobre a política monetária de um país.

Tobin, em 1978, apresentou duas soluções para os problemas causados pela mobilidade do capital. A melhor solução seria uma total integração económica global com uma moeda única comum e com políticas económicas comuns. Esta solução óptima fica reservada para o futuro.

Assim, Tobin apresentou uma solução alternativa que consiste na aplicação de uma taxa sobre as transacções cambiais. A aplicação da taxa Tobin será uma solução “second best” pois a melhor solução seria acabar com a especulação (com os seus efeitos nocivos) mas como não podemos acabar com esta distorção (especulação), introduzimos outra distorção (taxa) para diminuir os efeitos da primeira distorção. Obtemos, assim, uma solução “second best”.

O objectivo da taxa Tobin é lutar contra as flutuações excessivas das taxas de câmbio, ou seja as flutuações da taxa de câmbio que não têm relação com a situação da economia produtiva mas que a perturbam.

Segundo a teoria económica, as taxas de câmbio deviam ser determinadas pelos indicadores fundamentais das economias. Ora, estes indicadores fundamentais das economias são relativamente estáveis, enquanto os dados empíricos sobre as taxas de câmbio flexíveis mostram uma muito maior volatilidade do que os indicadores fundamentais.

A criação de um espaço de não transacção criado pelo custo da taxa permitiria uma maior diferença de taxas de juro entre os países, sem correrem o risco de ataques especulativos, o que abriria espaço para políticas monetárias mais interventoras, possibilitando ajustamentos na taxa de juros com o propósito de afectar o consumo, a poupança e o investimento interno sem implicar alterações na taxa de câmbio.

A autonomia política funcionaria apenas dentro dos limites alargados pelo efeito da taxa, fora destes limites o sistema continuaria a funcionar da mesma forma da actualidade. Este efeito é exemplificado pela figura, mostrando a existência de uma zona de não transacção provocada pela introdução de uma taxa Tobin, definida em torno do valor fundamental de mercado da taxa de câmbio, situada entre os limites inferior e superior. Apenas fora desta zona de não transacção, os especuladores teriam interesse em operar.

Zona de não transacção criada pela introdução da taxa Tobin



Entretanto, foram apresentadas outras propostas de criação de taxas globais com o objectivo de angariar fundos para a ajuda ao desenvolvimento dos países pobres, incluindo a implementação de uma taxa tipo Tobin sobre as restantes transacções financeiras em complemento da proposta de James Tobin, a criação de uma taxa ambiental sobre as emissões de dióxido de carbono, financiando bens públicos globais através da criação de taxas sobre alguns “males públicos globais”, tais como os movimentos de dinheiro sujo, a poluição ou as vendas de armas.

Perante as taxas globais, existe outro tipo de questões que não podemos esquecer, devem as taxas contribuir para acabarem os “males” sobre os quais incidem? Acabando por gerar receitas cada vez mais pequenas e tendendo para zero ou devem maximizar as receitas, acabando por sobreviver à custa da existência desses “males”? Devem os estados obter receitas, aplicando taxas sobre actividades pouco recomendáveis (ainda que não ilegais) como a especulação financeira, ainda que essas receitas sirvam para financiar bens públicos globais?

Nenhuma resposta parece ser definitiva.

George Soros apresentou uma proposta com o objectivo de aumentar a ajuda internacional ao desenvolvimento consistindo em emissões de DSE para doação, pelos países ricos, aos países em desenvolvimento.

Os países em desenvolvimento beneficiariam directamente, através da adição às suas reservas monetárias, e indirectamente, com o fornecimento de bens públicos à escala global.

A proposta de Soros centra-se na doação de 21 mil e 433 milhões de DSE, correspondentes à emissão de DSE autorizada pelo FMI em 1997 e que ainda espera por luz verde dos EUA, complementada por doações anuais de DSE, caso a primeira emissão seja aplicada com sucesso. A emissão especial proposta corresponde aproximadamente a 0,1% do PIB global, portanto a dimensão das emissões poderia aumentar, havendo mesmo necessidade de emissões regulares de DSE para financiar os países em desenvolvimento, segundo Stiglitz.

Do atrás exposto resultam valores previsionais de receitas que poderão representar fontes alternativas de financiamento para a Ajuda Internacional ao Desenvolvimento, conforme as três propostas analisadas.

Valor Previsional de cada Proposta

(em milhões de dólares)

Taxa Tobin sobre as transacções cambiais 40 000

Taxa tipo Tobin sobre as restantes transacções financeiras 40 000

Doação de Direitos de Saque Especiais 31 227





Individualmente, qualquer uma destas propostas representa entre 60 a 80 por cento da verba necessária, o que seria uma contribuição decisiva para o sucesso dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, observemos que para os conjuntos de países mais pobres, o impacto da aplicação de qualquer uma destas propostas é muito significativo, pois os valores da Formação Bruta de Capital Fixo situam-se entre os 40 e os 60 mil milhões de dólares anuais para os PMA, os PPAE ou para os Países da África subsaariana o que reflecte a dificuldade que estes conjuntos de países têm em progredir.

A aplicação destas propostas será um sucesso em termos do estrito cumprimento do objectivo de obtenção de receitas.

No entanto, pelo que atrás ficou exposto, parece evidente que não basta aumentar os recursos disponíveis para o auxílio aos países em desenvolvimento, sendo decisiva a forma como esses recursos são aplicados. A má governação, corrupção e o desbarato dos fundos internacionais é mais do que aparente, sendo necessária outra abordagem para garantir que o dinheiro dos contribuintes dos países ricos enviado para os países em desenvolvimento, serve os interesses daqueles que mais precisam e não acaba por regressar às praças financeiras mundiais, de maior importância (e/ou Off-Shores), fazendo o percurso de regresso tituladas por membros de elites locais corruptas que enriquecem à custa do aumento do sofrimento dos cidadãos dos seus países.

A solução ideal parece ser a existência de um governo mundial que, administre directamente a aplicação de fundos públicos globais, com a existência de uma moeda única global e de leis globais.

Os países com mais pobreza, melhor governação, maior transparência e com um ambiente macroeconómico favorável devem ser os mais ajudados, com o objectivo de conseguir melhores resultados a curto prazo e influenciar os restantes a alterarem as suas práticas.

A forma como os fundos para o auxílio internacional ao desenvolvimento são aplicados deve constituir a preocupação primeira quando, generosamente, reflectimos sobre a melhor ideia para aumentar esses fundos, pois o aumento de fundos para o financiamento do desenvolvimento sem enormes progressos na forma como são aplicados resultaria numa oportunidade perdida, condicionadora do futuro da humanidade. O que seria imperdoável.




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http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1506080

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