domingo, fevereiro 21, 2010

Armadilha da Liquidez

Não raras vezes, durante os últimos meses, temos assistido às sucessivas quedas nas taxas de juro, quer no que diz respeito às taxas de referência para os mercados monetários, quer no que diz respeito às taxas Euribor para o caso dos empréstimos interbancários. Ainda no passado dia 5 de Março, Jean-Claude Trichet anunciou que a taxa de referência para a Zona Euro seria de apenas um e meio por cento, cortando assim meio ponto percentual face ao mês de Janeiro.

Ora, tendo em conta a actual conjuntura económica, estes cortes sucessivos deveriam funcionar como um estímulo para a supressão da crise. Presenciamos, porém, que o perigo da economia norte-americana cair numa armadilha da liquidez é cada vez mais real.



Podemos afirmar que estamos em presença de um cenário macroeconómico de armadilha da liquidez sempre que a taxa nominal de juros (aquela que resulta da actividade do banco central) for tão baixa e a expectativa desta subir tão elevada, que resulte numa sensibilidade infinita entre a procura de moeda e a própria taxa de juros e, por conseguinte, as pessoas serão levadas a preferirem reter a liquidez.

Aliás, o famoso economista Keynes, pioneiro na análise teórica do cenário macroeconómico de armadilha da liquidez, definiu a mesma quando se presencia o facto do aumento de moeda cair numa armadilha ou, dito de outra maneira, quando as pessoas e os demais agentes estão dispostos a terem mais moeda, ou seja, mais liquidez, quando se verificar uma taxa nominal de juros com valores próximos de zero. Numa situação destas, a eficácia das políticas económicas está posta em causa, nomeadamente no que diz respeito ao uso da política monetária (variações da taxa de juros, injecção de liquidez no mercado, etc.) uma vez que, nesta situação, a política monetária torna-se ineficaz e, por outro lado, a política orçamental (aumento dos gastos do estado), que perante esta situação deveria ser responsável pelo aumento do produto, na prática, também estará condicionada, uma vez que a taxa real de juros (taxa nominal de juros deduzida da inflação) será mais elevada devido à desinflação verificada e às taxas de juro bastante reduzidas.

Efectivamente, tendo em conta o cenário de recessão económica de que tanto se fala, os respectivos bancos centrais das economias mais poderosas, nomeadamente Reserva Federal Norte-Americana, Banco Central Europeu e Banco do Japão, não hesitaram em baixar as suas taxas de juro de referência como uma medida fulcral para a estimulação dos mercados financeiros e monetários e, consequentemente da economia real, no objectivo primordial do combate à crise económica e social que se verifica. Primeiramente, Ben Bernanke, responsável máximo do FED, optou por cortar as taxas de juro de referência para o mercado americano, de modo a ir ao encontro da estabilização dos mercados e das bolsas e, também, incentivando a recuperação económica. É ainda de salientar, com a ajuda do gráfico abaixo indicado, que os sucessivos anúncios dos cortes nas taxas norte-americanas resultaram, numa taxa nominal de juro praticamente nula, algo nunca antes visto nas estatísticas da economia americana. A nível europeu o cenário não difere do panorama americano; apesar de actualmente existir um diferencial entre as duas taxas de referência, que é de, aproximadamente, dois por cento, o certo é que existe em comum o facto do BCE, liderado por Jean-Claude Trichet, ter adoptado a mesma acção, isto é, sucessivos cortes significativos nas suas taxas de referência para os mercados europeus. Aliás, o facto de se verificar um conjunto de medidas idênticas por parte da Europa e dos EUA, poder-se-á justificar com a cada vez maior interdependência económica a nível internacional, já há muito defendida por inúmeros economistas, podendo-se salientar o último prémio Nobel da Economia e académico na área da economia internacional, Paul Krugman.



Fonte: FED e BCE.





Tendo em conta as últimas estatísticas oficias de organismos como o Eurostat, existe ainda outro aspecto que preocupa seriamente muitos economistas e restante classe política, ou seja, o cenário de desinflação (que significa uma queda dos níveis de preços). Mais grave ainda será o cenário de uma transformação de desinflação para deflação, o que, perante tais acções dos respectivos bancos centrais das principais economias ou blocos económicos, poderá resultar num aprofundar da actual crise para uma situação macroeconómica bastante complexa. Tão importante como analisar quais as origens de uma grave crise económica, é ter em mente quais as medidas certas a implementar para combatê-la. Deste modo, e como anteriormente referido, um cenário de liquidity trap será, muito certamente, sinónimo de dificuldade na aplicação das políticas orçamentais e monetárias. De facto, a perturbação no uso das políticas monetárias irá-se prender com o facto das taxas nominais de juro estarem a atingir mínimos históricos, o que causará uma ineficácia desta importante política caso se continue a verificar a direcção das taxas de referência dos diversos bancos centrais.

Por ouro lado, haverá também um risco relacionado com a implementação das políticas fiscais no sentido em que a conjugação da baixa das taxas de juro e o cenário de baixa do nível de preços, que significará taxas reais de juros relativamente elevadas o que, por sua vez, impedirá os respectivos formuladores de política económica de aplicarem as suas políticas orçamentais como um valioso meio para combater a queda do PIB.

Mais uma vez, pegando no caso preocupante dos EUA, que actualmente apresentam taxas de referência próximas de zero por cento, convém não esquecer a velha lição para a Europa e para o mundo; uma vez que a economia norte-americana está prestes a cair numa situação de armadilha da liquidez, todas as economias mundiais terão de redobrar esforços no sentido em que, certamente, se irá manter a avareza em matéria de importações o que, como nos mostra o passado, será o acender do rastilho para uma crise sem fim à vista. A esperança transmitida pela nova administração americana, presidida por Barack Obama, terá uma árdua tarefa na condução de políticas macroeconómicas uma vez que, caso estas sejam mal conduzidas, convém reter as sábias palavras do famoso economista do MIT – Massachusetts Institute of Technology –, Olivier Blanchard, quando este afirmou que os economistas são, no fundo, como os oncologistas: já descobriram muito mas ainda não descobriram tudo o necessário para salvar vidas…

Artigo escrito em Setembro 2009, por:
Mário Fernandes e José Paulo Oliveira
Investigadores do Observatório Lusófona de Actividades Económicas (OLAE) - Centro de Investigação da Universidade Lusófona



Para descarregar o ficheiro original clique em:
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1493787

1 comentário:

Mário Fernandes disse...

Esteve a um passo de ter acontecido mas não aconteceu!

Pela segunda vez na história, os EUA livraram-se da armadilha Keynesiana, porém, há quem diga que não há duas sem três...

Abraço,

Mário Fernandes