domingo, outubro 10, 2010

Inevitavelmente FMI

Durante os anos oitenta do século passado, já lá vão mais de vinte cinco anos, recordo bem o clima social que se vivia em Portugal, durante a última vez em que Portugal esteve à beira da bancarrota. Foi um tempo extremamente duro e difícil para demasiadas famílias portuguesas. A península de Setúbal, tal como o Vale do Ave e outras regiões, conheceu fome e desespero e o bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, assumiu protagonismo público em defesa de políticas sociais activas. Passaram-se anos de aperto colectivo até as contas públicas e externas se reequilibrarem e no final de 1985 já se anunciavam tempos de fartura com a próxima entrada para a Comunidade Económica Europeia. O tempo continuou a correr, vieram os fundos comunitários, colectivamente desperdiçados, a Autoeuropa ajudou a transformar a península de Setúbal num pólo de desenvolvimento tecnológico e produtivo, o país cresceu (e as importações também…) e o consumo interno habituou-se a níveis de vida mais exigentes. Atravessámos anos de prosperidade e houve mesmo momentos, como em 1998 com a EXPO a catapultar o orgulho num país moderno, em que acreditámos que Portugal iria ser um país rico.


O novo milénio trouxe-nos o final do Acordo Multifibras, o ajustamento estrutural da economia nacional e a necessidade de adequar a competitividade das empresas à competição cada vez mais feroz dos mercados globalizados. Com trabalhadores não qualificados que passaram a ser muito caros quando comparados com os seus congéneres da China, Índia, Turquia, Marrocos e muitos outros países em desenvolvimento. A transição para uma economia baseada em valor acrescentado afigurava-se longa e penosa. Por outro lado, o Estado ia alargando o seu peso no PIB, comprometendo a competitividade do sector privado. Os funcionários públicos a quem foram oferecidas regalias (hoje os chamados “Direitos Adquiridos”, tantas vezes relembrados em manifestações e greves), acreditaram naturalmente que, aquilo que os governantes da época lhes davam em aumentos e promoções automatizadas era resultado do avanço do país e fruto do seu próprio esforço. Evidentemente, nada disso era sustentado na economia real e os anos comprovaram-no. O peso do Estado na economia Portuguesa continuou a aumentar e a sufocar cada vez mais o sector privado. Enquanto o sector privado tinha de se adaptar a todos os choques com a realidade, o sector estatal conseguia resistir e perdia apenas algumas das suas regalias. A diferença de remunerações entre os trabalhadores não qualificados do sector público e do sector privado atingiu um tal ponto de discriminação social, que seria impossível a qualquer governo evitar o tipo de medidas anunciadas há dias de cortes salariais no aparelho do Estado. Todo o país tem de fazer sacrifícios, não podendo existir um grupo de cidadãos que está praticamente a salvo deste esforço. A luta dos professores contra a anterior Ministra da Educação e a sua vitória de Pirro foram um dos últimos estertores do poderio sindical ligado a partidos (de Esquerda?) que afirmam defender os mais fracos contra os poderosos, mas que acabam por ajudar a eternizar os jovens desempregados e com mau emprego, os trabalhadores precários e a exclusão social de cada vez mais “pobres com emprego”. Os sindicatos tornaram-se defensores apenas dos seus associados e das classes que ainda têm algum “direito adquirido” a defender. Curiosamente, alguns políticos de Direita, ansiosos por mostrarem serviço, correram a cavalgar a onda da insatisfação. A ineficiência económica desta situação e a imparável marcha da economia acabam por se conjugar para nos fazer a todos chocar contra a realidade e acordar abruptamente da ilusão em que Portugal viveu e alguns portugueses ainda vivem.

Não tenho dúvidas que a greve geral anunciada e que juntará as duas grandes centrais sindicais será um sucesso de participação.

A revolta e a crispação social irão aumentar nos próximos tempos e acredito que, os actuais governantes não quererão o exclusivo do odioso necessário para endireitar o país (até porque governantes como Mário Soares e Ernâni Lopes dispostos a arcar com as decisões difíceis não aparecem sempre). Acredito também que, os políticos portugueses actuais, em especial os ligados aos maiores partidos e com ambições de governação, não se irão entender para tomar as medidas duríssimas que a conjuntura impõe. Afinal de contas, é mais fácil deixar que venham técnicos do FMI tomar conta da situação do que acarretar com responsabilidades. A negociação do próximo Orçamento de Estado já deixa antever isso mesmo. Lembro-me de Mota Pinto e não estou a ver Passos Coelho seguir-lhe o exemplo…

Por tudo o que ficou atrás, acredito que o FMI inevitavelmente voltará a Portugal. Para tomar medidas que, nós próprios não temos coragem de tomar, com a conhecida insensibilidade que o FMI costuma ter às necessidades sociais dos mais desfavorecidos. Esta é a perda maior que a entrada do FMI acarreta do ponto de vista da aplicação das políticas.

Mas há outra perda que convém realçar e que é a perda de postura de um país que não consegue ser verdadeiramente soberano e que como tal tem de ser “invadido” por técnicos estrangeiros que venham governar-nos. No mínimo é uma desilusão.

Confesso que, depois de tantos anos de União Europeia, nunca pensei voltar a ver o FMI no nosso país, mas conseguimos ser tão mal governados que chegámos a isto. No entanto, não quero deixar ficar a ideia que, possa estar a atirar as culpas para cima do actual governo. Bem pelo contrário, este governo, tal como todos os governos deste início do século XXI chefiados por Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates, herdaram uma situação inquinada e um país a afundar-se, deslizando irreversivelmente num plano negativamente inclinado.

Então impõe-se perguntar quem fez todo este mal a Portugal?

Entendo que, foram os governos que tiveram ventos favoráveis, com boas condições económicas, petróleo geralmente barato, crescimento económico mundial e em especial dos nossos principais parceiros comerciais e fundos comunitários de muitos milhões à disposição e que apenas conseguiram criar um “monstro”, que são os verdadeiros culpados. Os quinze anos entre 1987 e 2002 criaram as condições económicas ideais para a falência do país. Relembro os nomes dos primeiros-ministros desses anos extraordinários: Professor Cavaco Silva e Eng. António Guterres. Para memória futura…

José Paulo Oliveira

6 comentários:

MJF disse...

Boas,

Sabe bem a minha opinião em torno do tema do FMI.

Quando no Natal oferecemos um carrinho ao nosso filho e ele só o utiliza para o atirar à cabeça dos vizinhos, é natural que a única opção passe por retirarmos o carrinho a ele.

Os portugueses, mais uma vez mal, e sendo os culpados número 1 de tudo isto, ofereceram o "poleiro" aos políticas que agora, "por atirarem o carrinho à cabeça dos vizinhos", veem assim o FMI ter que fazer aquilo que deveriam ter feito.

Como diz o outro: " Meu amigo, venha já o FMI!"


Um abraço,

Mário

Jose Paulo Oliveira disse...

Pois é meu amigo, só que a sensação que tenho com o FMI a aterrar em Lisboa é de algum modo equivalente a ver desfilar soldados invasores na Avenida da Liberdade.

MJF disse...

É o preço a pagar pela incompetência demonstrada pela classe política desta última "república".

Além do mais, quando nos foi roubada a soberania em torno da nossa política monetária e cambial, quase ninguém teve essa sensação...talvez porque a "moeda de troca" fosse alguns bons anos de ouro, em que os fundos europeus servissem apenas para adquirir alguns Ferraris!

Bem vistas as coisas, foi a melhor coisa a fazer, por parte dos nossos empresários, pois agora basta bater à porta do Estado.

Um Abraço,

Mário

rui seybert p ferreira disse...

Bem sei que este registo já é antigo mas como muitos, ando angustiado com isto tudo e não consigo de deixar para tráz o meu sentimento de desespero e vergonha. Óbviamente que subscrevo o escrito pelo Sr. Prof., mas também não posso deixar de apelar, ou rezar..., por mais ambição e creatividade dos economistas formadores de opinião para serem mais criativos, flexíveis e práticos. Afinal, existem soluções para esta crise e estas são soluções que mexem com reformas estruturais e com o status quo de políticas que simplesmente já não são sustentáveis.

Para criar riqueza não se pode gastar o dinheiro que não se tem (incluíndo a sua capacidade de endividamento) e só se pode taxar sobre valor acrescentado. Se um soberano se limita a redistribuir riqueza está a matar a galinha dos ovos de ouro.

Ora para Portugal criar riqueza é preciso mexer com a eficiencia judicial, com a lei das rendas,com a mobilidade laboral, com a lei de insolvência etc, etc. Um país tem que ser gerido. Não se pode olhar só aos agregados económicos e falar de macroeconomia. É preciso falar do detalhe e não se pode têr medo de mudar as coisas. Tal como está, o país como empresa já não vende os seus produtos nem pode comprar matéria prima, de investimento nem se fala. Até porque quem poderia investir está longe de motivado para o fazer. Para quê?

Estive recentemente numa palestra do Prof. César das Neves que muito convincentemente mostrou que a balança portuguesa de mercadorias não piorou desde a entrada do país para o Euro. A balança de serviços até melhorou e Portugal tem um superavit!

Então?

Não foi a tão falada falta de competividade do sector privado que enterrou o país. Foi sim a gestão das contas públicas e a baixa produtividade do sector estatal em geral.

Portugal não teve uma crise de sub-prime, de crédito ao consumo e da banca. Portugal têm sim um grave problema de incapacidade de gestão do governo. A Irlanda teve excelentes governos mas péssimos bancos, a Espanha um bom governo mas uma crise de subprime e a Grécia teve maus governos, maus bancos e um consumismo excessivo.

E Portugal não se consegue distinguir destes? Tem tudo a seu favor. É só mudar algumas políticas que afectam a microeconomia e drasticamente reduzir o aparelho estatal. Mas claro, com isso os partidos perdem o seu poder e capacidade de distribuir favores. Portugal voltaria a ser gerido por quem trabalha e não por quem faz política.

Começo a desconfiar que o PM Sócrates partilha da mesma visão de economia estatizada do seu amigo Chavez...

rui seybert p ferreira disse...

Bem sei que este registo já é antigo mas como muitos, ando angustiado com isto tudo e não consigo de deixar para tráz o meu sentimento de desespero e vergonha. Óbviamente que subscrevo o escrito pelo Sr. Prof., mas também não posso deixar de apelar, ou rezar..., por mais ambição e creatividade dos economistas formadores de opinião para serem mais criativos, flexíveis e práticos. Afinal, existem soluções para esta crise e estas são soluções que mexem com reformas estruturais e com o status quo de políticas que simplesmente já não são sustentáveis.

Para criar riqueza não se pode gastar o dinheiro que não se tem (incluíndo a sua capacidade de endividamento) e só se pode taxar sobre valor acrescentado. Se um soberano se limita a redistribuir riqueza está a matar a galinha dos ovos de ouro.

Ora para Portugal criar riqueza é preciso mexer com a eficiencia judicial, com a lei das rendas,com a mobilidade laboral, com a lei de insolvência etc, etc. Um país tem que ser gerido. Não se pode olhar só aos agregados económicos e falar de macroeconomia. É preciso falar do detalhe e não se pode têr medo de mudar as coisas. Tal como está, o país como empresa já não vende os seus produtos nem pode comprar matéria prima, de investimento nem se fala. Até porque quem poderia investir está longe de motivado para o fazer. Para quê?

Estive recentemente numa palestra do Prof. César das Neves que muito convincentemente mostrou que a balança portuguesa de mercadorias não piorou desde a entrada do país para o Euro. A balança de serviços até melhorou e Portugal tem um superavit!

Então?

Não foi a tão falada falta de competividade do sector privado que enterrou o país. Foi sim a gestão das contas públicas e a baixa produtividade do sector estatal em geral.

Portugal não teve uma crise de sub-prime, de crédito ao consumo e da banca. Portugal têm sim um grave problema de incapacidade de gestão do governo. A Irlanda teve excelentes governos mas péssimos bancos, a Espanha um bom governo mas uma crise de subprime e a Grécia teve maus governos, maus bancos e um consumismo excessivo.

E Portugal não se consegue distinguir destes? Tem tudo a seu favor. É só mudar algumas políticas que afectam a microeconomia e drasticamente reduzir o aparelho estatal. Mas claro, com isso os partidos perdem o seu poder e capacidade de distribuir favores. Portugal voltaria a ser gerido por quem trabalha e não por quem faz política.

Começo a desconfiar que o PM Sócrates partilha da mesma visão de economia estatizada do seu amigo Chavez...

E aventuro-me agora a conceder um engano e que Socrates vai chamar sim o FMI até ao fim do ano.

Jose Paulo Oliveira disse...

Começo por arriscar outro engano: acredito que o FMI virá até Março. Mesmo com a taxa de juros da dívida Portuguesa a superar a fasquia dos 7%, pois isso é apenas uma indicação e quando precisarmos de dinheiro a sério, aí sim virá o FMI. Não que me agrade, antes pelo contrário, detesto a ideia. Como referi antes, ver o FMI a aterrar em lisboa será como ver soldados estrangeiros a desfilarem na Avenida da Liberdade. Significa que falhámos novamente. Não nos soubemos defender e falhámos na nossa missão enquanto sociedade.
Penso que em relação às medidas que propõe viradas para a eficiência económica e facilitação dos negócios, são parte importante do que há para fazer, tal como uma urgente e enorme redução do peso do Estado é absolutamente necessária.
Quanto ao que refere do Prof. César das Neves, deverá ter de corrigir um pouco, pois o superavit é apenas na balança tecnológica, o que é um sinal extremamente positivo e optimista para o futuro da economia Portuguesa, mas a balança de mercadorias em geral é um desastre. Um desastre completo que está na sua pior fase pela impotência da indústria Portuguesa, mas que historicamente sempre assim foi. Recordo que nos últimos 100 anos apenas durante dois anos Portugal conseguiu superavit comercial e mesmo assim foi em 1943 e 1944 no auge da segunda guerra mundial, com a Europa toda desfeita e nós a vendermos a ambos os lados beligerantes. Mesmo em 1945 já conseguimos regressar ao "usual" deficit. Este é o pior pesadelo para o futuro de Portugal, pois cada vez que estamos um pouquinho mais ricos, desatamos a importar e comprometemos as contas externas. A propensão marginal a importar é um dos factores que mais reduz o nosso multiplicador (o Estado também contribui com uma taxa marginal de imposto de fazer corar a Coreia do Norte) e assim é extremamente dificil conseguir resultados económicos satisfatórios, com qualquer governante, seja lá quem for.