domingo, março 28, 2010

Taxa de Juro

Artigo de Hugo Domic














Agradeço ao Professor José Paulo Oliveira o convite para escrever um artigo para o seu blog, ao qual desejo muito sucesso e muitos seguidores. No artigo seguinte sucintamente irei explicar a formação do conceito de taxa de juro, e a sua utilização actual.


No presente momento é fundamental compreendermos um dos factores económicos mais importantes da nossa ciência, a taxa de juro.

Böhm-Bawerk deu três razões para explicar porque as taxas de juro são positivas.

Primeiro a utilidade marginal dos rendimentos das pessoas ( salários por exemplo) irá diminuir ao longo do tempo porque naturalmente esperam rendimentos superiores no futuro.

Segundo, por razões psicológicas a utilidade marginal de um bem declina com o tempo.

Por estas duas razões, que nós economistas chamamos “ preferência temporal positiva” ( positive time-preference” as pessoas estão dispostas a pagar uma taxa de juro positiva para ter acesso a recursos no presente. E insistem em ser pagas com juro por ceder do acesso a esses recursos. Estas duas premissas são aceites como razões válidas para a preferência temporal positiva.

Mas a terceira razão de Böhm-Bawerk - a “superioridade técnica de bens presentes sobre bens futuros”- foi mais controversa e mais difícil de entender. A produção é um processo cíclico, o que significa que leva tempo. Usa capital, para transformar factores não produzidos – como a terra e o trabalho- em output. Os métodos de produção cíclica significam que a mesma quantidade de input podem render um output superior. Böhm-Bawerk pensava que o retorno liquido do capital é o resultado do maior valor criado pelo processo cíclico.

Um exemplo expõe melhor o caso. Um líder de uma aldeia pescatória primitiva, pode mandar os seus cidadãos ( sem equipamento ) saírem para o mar apanhar peixe suficiente para a sobrevivência da aldeia por um dia. Mas se deixarem o consumo de peixe por um dia e usarem esse factor trabalho para produzir redes de pesa, linhas e ganchos ( capital) cada pescador pode apanhar mais peixe no dia seguinte e nos dias a partir desse.

Irving Fisher um dos maiores economistas matemáticos da história, dedicou o seu livro “The Theory of Interest” a Bohm-Bawerk. Mas apesar da sua admiração pelo trabalho de Bawerk, Fisher não aceita a terceira razão utilizada por Bawerk que o processo cíclico necessariamente aumenta a produção. Argumentando que com uma taxa de juro positiva, ninguém escolherá um período mais longo a não ser se esse período for mais produtivo. Então por este processo, concluímos que períodos mais longos são mais produtivos. Mas o comprimento desse período não contribui por si só para a produtividade

A versão de Fisher reflecte a maneira que os economistas pensam ainda hoje.

A importância de Fisher e Bawerk deve-se ao facto de justificarem a taxa de juro como um processo de Mercado, através das expectativas e do processo produtivo.

Assim a intervenção dos governos e Bancos Centrais, nos níveis da taxa de juro são prejudiciais para o processo produtivo e para o processo Económico

A taxa de juro pela sua origem e definição deve somente ser consequência das percepções que os agentes têm do mercado, das suas preferências, das suas escolhas, e das oportunidades de investimento que surjam.

Infelizmente o trabalho de Fisher foi ignorado por causa da proeminência do trabalho de Keynes. E o controlo das taxas de juro tornou-se obrigatório para qualquer soberania.

Os problemas que derivam deste controlo são fundamentais para percebermos as falhas dos sistemas económicos modernos. Muitos acreditam que pelo controlo das taxas de juro (e da circulação da moeda) falhas de mercado são impossíveis, porque o mercado supostamente tem de reagir mecanicamente as variações da taxa de juro. Mas apesar do que é escrito nos textbooks que usamos no estudo da economia, esta não pode ser controlada. Não é possível através de qualquer instrumento controlar a economia, a economia é um organismo vivo consequentemente não podem ser previstas as suas acções. A taxa de juro é um dos instrumentos mais importantes da actividade económica, porque traduz transparência das preferências dos investidores, porque permite alocar eficazmente os recursos ( é necessário lembrar que um dos objectivos da ciência económica é de estudar os mercados para melhor alocar os recursos), permite que os bons activos sejam recompensados, que os bons projectos sejam recompensados. Que apenas os melhores tenham acesso a factores produtivos (capital) facilmente, e que os que não o consigam que melhorem ( destruição criativa) de modo a que consigam.

A intromissão dos Governos e dos Bancos Centrais nas taxas de juro criam deturpações gravíssimas nos mercados. E tudo isto parte da falácia que a riqueza, o desenvolvimento e o emprego podem ser positivos pelo controle do dinheiro e das respectivas taxas de juro. Esta falácia é muito perigosa e popularizada no meio académico porque é algo fácil de adoptar e de explicar aos leigos, mas não é cientificamente e economicamente verdade. Apenas a produção cria riqueza (não a produção de papel-moeda, pelo menos não do modo que os keynesianos acreditam que cria).

É a produtividade que desenvolve as nações, e a taxa de juro é a recompensa da produtividade, ou apenas de uma boa oportunidade de negócio. Mas não quando esta é controlada por um corpo central. Só quando a taxa de juro é completamente entregue ao mercado, este pode comportar-se racionalmente. As bolhas económicas como a que presenciamos na última década dão toda a evidência empírica que este artigo necessita. Taxas de juro artificialmente controladas, criam bolhas artificiais, com efeitos sistémicos, porque a taxa de juro é igual para todos no território.

A taxa de juro tem de ser livre para seguir padrões racionais, porque é impossível que todos os investidores tenham a mesma preferência temporal e a mesma disponibilidade ao mesmo tempo. As bolhas económicas principalmente as dos E.U.A têm sido geradas por taxas de juro baixas, porque todos os investidores podem ter acesso a capital pelo mesmo preço.

Para um não estudioso é impensável o tempo em que ainda se discutia o nível natural das taxas de juro de um país, ou de um sector produtivo em particular.

Existe uma necessidade extrema de se voltar a perceber os processos básicos da Economia, de se estudar a Economia não como algo completamente controlável, tomando os cidadãos como peões, mas pensar na economia como um instrumento libertador. A nossa ciência tem um poder sobre a vida das pessoas superior a qualquer outra, temos de nos responsabilizar pelas consequências dos erros e das falácias de alguns economistas mas mostrar os caminhas certos, e revelar a verdade económica. Porque é a função e a obrigação do economista defender a verdade económica, imparcialmente e sem ceder ao populismo. Porque em termos de ciência a nossa a cada dia que passa perde credibilidade.

sábado, março 27, 2010

ICCREP – Índice de Competitividade Cambial Real da Economia Portuguesa

Artigo escrito por João Soares


O Observatório Lusófona de Actividades Económicas (OLAE) é uma unidade de investigação da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias que pretende dar aos alunos dos cursos ministrados naquela Faculdade a possibilidade de desenvolverem actividades de investigação e aplicarem, na prática, os conhecimentos teóricos adquiridos.


O primeiro projecto de investigação do OLAE, iniciado em 2007, consistiu no desenvolvimento de um índice que permita aferir da competitividade relativa dos produtos nacionais nos mercados externos, com base na variação de um conjunto de variáveis influenciadoras desta mesma competitividade.

Deste trabalho nasceu o ICCREP – Índice de Competitividade Cambial Real da Economia Portuguesa – que ora se apresenta.

O ICCREP é um índice que mede a competitividade cambial real da economia portuguesa, e cujo cálculo se baseia na variação relativa dos preços dos nossos produtos nos mercados internacionais de destino, em função das taxas de câmbio e índices de preços.

Para o cálculo do ICCREP considera-se, no período de análise, a ponderação do peso do comércio com cada país em relação ao total das trocas comerciais portuguesas (importações e exportações) e a variação da taxa de câmbio nominal (ao certo) e do Índice de Preços no Consumidor de cada país. Para este cálculo consideram-se os dados relativos aos 70 países com maior peso no comércio externo português, que representam cerca de 95% do total das trocas comerciais nacionais.

Atendendo à forma de cálculo, nomeadamente pelo facto de se considerarem taxas de câmbio indirectas (ao certo), um valor do ICCREP superior a 1 indica uma perda de competitividade, enquanto que se o respectivo valor for inferior a 1 representa um ganho de competitividade. Quando o ICCREP toma o valor 1 representa a situação de neutralidade competitiva cambial real da Economia Portuguesa.

Abaixo apresenta-se o gráfico evolutivo dos valores do ICCREP desde o 1º Trimestre de 2005.

sexta-feira, março 26, 2010

Como Krugman e Solow ajudaram a salvar economia portuguesa

(Notícia do Diário Económico)

Dornbusch, ex-professor no MIT de Krugman, ajudou Silva Lopes a instalar o sistema “crawling peg”. Eis os detalhes.


Já ouviu falar de Rudiger Dornbusch, o homem conhecido por simplificar o que era complicado? E de Robert Solow, Lance Taylor, Richard S. Eckaus, Cary Brown, Andrew Abel, Jeffrey Frankel ou Paul Krugman? É muito provável que sim. Afinal falamos de dois Nobel de Economia (R. Solow em 1987 e P. Krugman em 2008) e de vários nomes que fazem parte de uma distinta elite económica que domina ainda hoje o mundo do pensamento económico-financeiro.

O que provavelmente desconhece é que todos estes senhores enquanto jovens, e sem galardões e prémios pelas suas teses, estiveram em Portugal.

"A fina flor da economia mundial esteve em Portugal a ajudar no plano de recuperação económica no pós-25 de Abril", diz José da Silva Lopes, economista português que nesse período assumiu a função de Governador do Banco de Portugal. Um lugar que nesse momento, quando a política monetária estava nas mãos dos Governos (anos antes da entrada na União Monetária) tinha muito poder.

"A coisa não estava fácil", desabafa Silva Lopes, que recorreu também à troca de ideias com mentes estrangeiras para encontrar caminhos que pudessem salvar a economia portuguesa, facto que - e como recorda - não agradou a todos.

Portugal: Programa de Estabilidade e Crescimento

Para descarregar o documento original clique aqui:
PEC 2010/2013

sábado, março 20, 2010

Confiança

Artigo de Opinião















Rui Seybert Pinto Ferreira

O Prof. José Oliveira primeiro convida-me a ler e comentar o seu blog. Como não só o fiz, mas também com entusiasmo e me pus a comentar todas as entradas, apanhei logo a seguir com o desafio de escrever um texto para o seu blog. O assunto deverá ser sobre uma conversa, à longo tida, em Maputo. Nessa altura conversámos sobre o meu fascínio pela autobiografia de Alan Greenspan, ‘The Age of Turbulence’ e da sua relevância para o meu desafio profissional de então, em gerir um banco especializado em microfinanças. Esse livro teria sido para mim a última fonte que eu procuraria para me inspirar e guiar em África. Acontecimentos posteriores provaram quanto apropriado foram as considerações abstractas do Dr. Greenspan! Inclui já há bastante tempo no meu blog (em inglês) um comentário sobre o livro, como ele se aplica aos países em desenvolvimento e o efeito perverso da ajuda económica e ao desenvolvimento do mundo ocidental a estes países.


Para efeitos do blog ‘Macroeconomicus’, vou tentar destilar um elemento essencial para a criação de riqueza, tão bem descrito por Alan Greenspan nesta sua autobiografia. Gostaria de esclarecer o leitor, que para mim criação de riqueza é sinónimo de crescimento e desenvolvimento económico. Para Greenspan, criação de riqueza é também sinónimo de deter uma ‘higher existence’. Mas essa, é outra discussão...

Que elemento essencial é este então? E não só é essencial como muito ignorado, desconhecido até. Trata-se da necessidade de se poder confiar na palavra do outro. Eu prefiro criar um termo. É preciso haver ‘confiança social’.

Para permitir que o leitor chegue à mesma conclusão, tenho que fazer uma breve exposição. Não escondo que a baseio largamente no livro ‘Age of Turbulence’.

Para mim, o mais forte motor para o crescimento e desenvolvimento económico é a concorrência entre os agentes económicos. O resultado dessa concorrência é a obtenção de uma vantagem comparativa para um, ou sobre outro, agente económico. Esta vantagem competitiva monetisasse com um valor acrescentado, pelo qual o agente económico pode cobrar uma margem de lucro. O crescimento e desenvolvimento económico obtêm-se via o crescimento dessa margem de lucro ou pela manutenção da mesma, mas com menos recursos. A este último processo damos o nome de produtividade. É então via o aumento ou a diminuição da produtividade dos vários agentes económicos, que podemos medir se uma economia é, ou não é, competitiva.

Aliás, é também a concorrência que faz as crianças aprenderem e nós, a escolher os nossos parceiros. Mas também essa, é outra discussão...

Ora como podemos criar um ambiente de alta produtividade, que produza múltiplas e multidimensionais vantagens comparativas, que acabam por tornar numa economia sustentavelmente competitiva?

Porquê uso agora a palavra ‘sustentável’? Todos sabemos como podemos ser competitivos sem sermos sustentáveis. Basta lançar estímulos fiscais, programas de investimento, imprimir dinheiro, criar déficites, aumentar a inflação, desvalorizar a moeda, criar riqueza aparente nessa moeda mas pobreza real para com moedas contra as quais desvalorizámos...

Voltemos então ao honrávil raciocínio mas de criar riqueza sustentávelmente.

Considero que existem duas principais alavancas.

A primeira e a mais importante, é a de haver direitos contratuais e de propriedade sancionados por uma parte independente e neutra. Esta parte tem que ser o aparelho judicial do Estado.

Pois se assim não fosse, se não o pudessem deter, a que propósito é que os agentes económicos se iam esforçar por acumular o capital necessário para o crescimento económico? Um exemplo crasso, e não do Dr. Greenspan, seria para quê comprar um escravo nos países então sulistas dos EUA, se depois não me posso beneficiar do trabalho dele, devido a uma expropriação, rapto, fuga ou imposto arbitrário e discriminatório?


No seu mais cru e essencial, a vida humana necessita de bens físicos tais como comida, roupa e casa. Como tal, o ser humano têm que ter o direito de proteger o título legal de propriedade desses bens, mas também da sua transferência como, quando e para quem quiser. Qualquer limite nestes direitos têm um impacto negativo no valor dos bens.

Mas uma mais aprofundada análise deste tema mais conhecido dos estudiosos de economia, e o seu impacto no crescimento e desenvolvimento económico, terá que ficar para outra altura.

Neste texto quero-me concentrar na segunda, e mais ignorada, alavanca: a tal ‘confiança social’.

Aonde existe e vive a lei, é impressionante constatar qual pequena parte de contratos necessita de ir a tribunal para ser executada. E isto, apesar do direito dos agentes económicos em buscar ajuda e opinião aos tribunais. De facto, se assim não fosse, não só os tribunais estariam totalmente atulhados, como a capacidade da sociedade de viver, com e pelas regras da lei, estaria gravemente comprometida.

Sim, eu sei como está a justiça em Portugal e sim, eu li ‘Justiça à Portuguesa’ pelos irmãos Contumélias.

Mas será um acaso que o crescimento económico de Portugal têm sido um marasmo desde que a justiça deixou de funcionar?

E não será que apesar de todo os litígios e das más leis, só uma muitíssima pequena parte de desavenças leva ao imobilismo económico e ao litígio oficioso? Peço ao leitor de, por um minuto, tentar avaliar as milhares, se não milhões, de transacções diárias na economia. Quantos litros de leite em condições de consumo são comprados? Quantas receitas médicas fielmente medicadas por farmacêuticos? Quantos pneus e óleos de motores correctamente trocados? Quantos bens transportados de um lado para o outro por terceiros? Quantos veículos conduzidos por motoristas e não os seus donos? Todas estas transacções carecem de confiança mútua e bloqueariam a actividade económica se necessitassem de advogados e tribunais. Foi esta a minha experiência em África e esta não pertence a este blog, mas o essencial de confiar na palavra do outro, é igualmente muitíssimo válida, se não mais, no mundo desenvolvido.

Já vimos portanto de, como no fundo, a grande maioria das nossas transacções económicas são baseadas na ‘confiança social’. Por outras palavras: Essas transacções têm que ser feitas numa base VOLUNTÁRIA! Se não fosse voluntária, como é que os agentes económicos iam confiar nos outros? Quantos negócios não poderiam ser feitos se não houvesse esta confiança?

Se portanto, contratamos trocas comerciais voluntariamente com agentes económicos em que confiamos para o fazer, significa isso que a nossa reputação, como a deles, têm um alto valor económico.

Se não há reputação, aumentam os custos da transacção, exige-se garantias, seguros, pré-pagamentos e juros mais altos. Por outras palavras, muitas transacções deixam de ser rentáveis e não se fazem e por conseguinte, baixa o crescimento e desenvolvimento económico.

Mas a influência mais poderosa que falta de reputação entre agentes económicos trairia para uma economia, seria sem dúvida a limitação na especialização de cada um; a impossibilidade da subcontratação, de dividir tarefas e de cada um se concentrar naquilo que faz melhor, naquilo em que maior vantagem comparativa têm, aonde maior pode ser a margem de lucro. Por outras palavras, a produtividade de cada agente económico iria baixar ou ficar limitada. Ora, como vimos acima, sem produtividade não temos crescimento económico sustentável.

E chegamos assim ao essencial da minha tese. Será que não estamos num declínio civilizacional aonde a palavra e a reputação têm cada vez menos adeptos? Será que o crescimento e desenvolvimento económico de duas décadas, via doações (da UE) , o aumento do endividamento do Estado e dos seus cidadãos e a inflação e desvalorização do Escudo (pré Euro), não foi insustentado? E será que esta falta de disciplina não levou a uma deterioração da necessidade de reputação e da ‘confiança social’? E não terá sido isso que levou a um sobrecarregamento de tribunais e a um desrespeito pela lei? E não terá sido isso que levou, por sua vez, a más leis, facilitadoras para quem as escreve e aprova? E, finalmente, não terá sido isso que atraiu os perfis e personalidades errados para os postos errados?
 
Se assim for, fica claro o que fica por fazer para alterar a situação. Temos que reintroduzir as regras naturais para o crescimento e desenvolvimento económico. A partir daí, o círculo vicioso torna-se em um círculo virtuoso. Isto, simplesmente porque os intervenientes do círculo vicioso já não têm uma vantagem comparativa sobre os do círculo virtuoso. Será que devo que traduzir isto por miúdos?

quinta-feira, março 18, 2010

Ben Bernanke

Artigo de Opinião



Mário Fernandes
Universidade Lusófona *

Há alguns meses atrás pudemos assistir à declaração do presidente norte-americano, Barack Obama, para dar luz verde à continuidade de Ben Bernanke como responsável máximo da Reserva Federal norte-americana, FED. Apesar de ainda faltar o apoio do senado americano, e ao que tudo indica, Ben Bernanke irá ver, assim, o seu mandato renovado para os próximos quatro anos. Se por um lado nenhum presidente de um qualquer banco central deseja que seja no seu mandato que ocorra uma das maiores crises financeiras e económicas que o mundo presenciou, então também não será menos verdade que Ben Bernanke poderá, finalmente, respirar de alívio pelo facto desta crise não ter tido o desfecho da depressão dos anos 30. As próprias estatísticas do FED, bem como do Banco Central Europeu, liderado pelo homólogo Jean Claude Trichet, mostram que a recuperação da actividade económica já está ao virar da esquina, atendendo que se registaram, pela primeira vez desde há muito, um inverter da tendência de recessão técnica, particularmente, a nível europeu, com motores da economia do velho continente como a Alemanha e a França. Deste modo, o evitar de um transformar de uma crise para uma depressão e a retoma da economia americana foram os principais trunfos de Ben Bernanke para a permanência à frente da Reserva Federal. Ainda neste campo, um dos outros argumentos do presidente Obama prendeu-se com as expectativas da renovação de Ben Bernanke perante os agentes e mercados. Porém, reúnem-se algumas vozes críticas face a Bernanke; segundo alguns analistas norte-americanos, a credibilidade do presidente da Reserva Federal norte-americana foi bastante afectada atendendo ao facto deste ter, alegadamente, demorado tempo demais a intervir nos mercados financeiros norte-americanos. É certo que as ajudas completamente astronómicas ao sector financeiro americano chocaram os cidadãos, contudo, a situação assim o exigia. Num país em que urge uma necessidade de fundo de renovar por absoluto o sistema de saúde, por exemplo, muitos não conseguiram conter a revolta face aos montantes galácticos gastos para o sector bancário não cair de novo, o que seria a derrocada final do sistema capitalista. Ben Bernanke reagiu e os resultados estão a chegar. Muitos dos que criticaram Alan Greenspan por falta de intervenção nos mercados, como Paul Krugman, laureado com o prémio Nobel da Economia em 2008, não o deverão fazer agora com Bernanke.


Noutro plano agora, resta-nos aguardar que FED vamos ter na afirmação da retoma económica, na questão de crescimento económico de médio e longo prazo e, não menos importante, a nível dos reajustes dos mecanismos de supervisão do mercado em conjunto com a CTC, entidade de regulamentação dos mercados cambiais e também monetários e financeiros.

Além do mais, Ben Bernanke poderá ser o homem ideal para o rejuvenescer da motor da economia global devido ao seu percurso académico, manifestamente vocacionado para o estudo e análise das crises monetárias que abalaram o mundo, a grande depressão da década de 30, que, mais do que nunca, esteve perto de reaparecer senão fosse a resposta do FED liderado por si mesmo, e também a crise japonesa da armadilha da liquidez, crise essa que foi apontada por diversos analistas mundiais como a próxima etapa negra da economia americana.

Verdade seja dita, Ben Bernanke, aquando a sua chega ao FED, foi confrontado com uma situação potencialmente catastrófica cedida pelo seu antecessor, Alan Greenspan, que, apesar de ter sido considerado uma lenda diante os banqueiros centrais, e segundo Paul Krugman, uma das vozes mais críticas a Alan Greenspan, terá reagido demasiado tarde nos mercados financeiros, nomeadamente ao tardar no aumento das taxas de juro de referência do FED e, com isso, compactuando no aumento significativo dos índices das bolsas norte-americanas.


* Investigador do Observatório Lusófona de Actividades Económicas (OLAE) - Centro de Investigação da Universidade Lusófona

Merkel admite expulsão de países incumpridores

(Notícia do SOL)

A chanceler alemã, Angela Merkel, admitiu hoje que um país europeu seja obrigado, em último recurso, a sair da zona euro se, «repetidamente, não cumprir as condições» necessárias para se manter na moeda única.
A chefe do Governo alemão vem assim enfatizar as declarações do seu ministro das Finanças que, na semana passada, num artigo de opinião no Financial Times, tinha defendido esta ideia.




O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schauble, tinha defendido na semana passada a saída da zona euro dos países que não consigam consolidar as finanças públicas ou reestruturar a economia, num artigo publicado no Financial Times.

«Se um país membro da zona euro, no limite, não conseguir consolidar o seu orçamento ou restaurar a sua competitividade, este país, deve, como solução de último recurso, sair da zona euro, embora mantendo-se como membro da União Europeia», escreve o ministro das Finanças, num artigo em que a situação das finanças públicas gregas é analisada.

«Encarar uma realidade desagradável pode ser a melhor opção em determinadas circunstâncias», afirma o responsável pelas finanças alemãs, sugerindo também que «um país cujas finanças estão em convulsão não deve participar em decisões relativas às finanças de outro membro» e que não cumprir os limites definidos por Bruxelas deve levar à «suspensão dos direitos de voto no Eurogrupo».

segunda-feira, março 15, 2010

O TGV dos Portugueses

Artigo de Opinião











Rui Filipe Cardoso Pedro








Numa semana marcada pelo PEC, discute-se novamente o adiamento do TGV por mais dois anos, para além dos dois já anteriormente previstos, devido ao lado espanhol, ou seja, se tudo “correr” como agora é previsto em 2017 teremos o TGV.

Como é sabido, são as grandes obras públicas por parte dos Governos que fazem reanimar as economias dos países, contudo o TGV, é na minha opinião uma obra que não vai deixar de ser isso mesmo, GRANDE, mas que não reanima a economia e apenas a irá afundar ainda mais, pelas razões que irei descrever.

No Século XIX, Portugal construiu a sua linha férrea, a chamada bitola, igual à de Espanha para facilitar as suas trocas comerciais com o parceiro mais directo e com quem faz fronteira, porém o resto da Europa foi construindo a sua linha férrea ao longo dos anos e transformando-a para uma linha que tem por nome de Bitola Internacional, ora a Bitola Ibérica (que tal como o nome indica, existe na Península Ibérica) é 27 cm mais larga que a Bitola Internacional. Esta diferença de bitolas deve-se principalmente às Invasões Napoleónicas. Com o passar do tempo e com a chegada da Globalização, houve cada vez mais a necessidade de transportar mercadorias desde Portugal para o resto da Europa, sendo que, nos dias que correm, devido as linhas férreas entre Espanha e França serem diferentes existe um aumento do custo de mercadorias para compensar o custo de transacção de um comboio de uma linha (bitola ibérica) para o comboio de outra linha (bitola internacional), que é feito actualmente em Irun, aumentando o tempo de transacção e o custo de vida de cada português.

O TGV, obra que é prometida pelo Governo para o transporte de passageiros e que exclui mercadorias, pode vir a ser um erro tremendo que vai custar muito caro a Portugal. A vizinha Espanha, que tem uma bitola igual à nossa, já anunciou pelo seu Ministro das Obras Públicas a transformação imediata de 12.000 Km’s de linha férrea para a bitola internacional e os restantes Km’s em processos faseados, ligando-se mais rapidamente à Europa por três canais para França e diminuindo exponencialmente os seus custos de transacção.

Assim, actualmente encontra-se o seguinte:

• Exportações de Portugal:

o Espanha: 453 Mil Toneladas

o União Europeia: 8 Toneladas

• Importações de Portugal:

o Espanha: 449 Mil Toneladas

o União Europeia: 0 Toneladas

• Circulação de Mercadorias no Território Português:

o Via Rodoviária: 290 Milhões de Toneladas

o Via-Férrea: 10 Milhões de Toneladas



Perante estes dados, como é possível Portugal estar preocupado com um TGV que exclui mercadorias, quando devia de ser reestruturada toda a linha férrea Portuguesa? Existe sempre Prós e Contras, tal como o programa televisivo, mas neste assunto parece obvio que a aposta numa linha férrea de bitola internacional reforçada, que suportasse mercadorias, ganhasse mais força quando não existem preocupações nesse sentido, em vez disso, está estruturado existir uma linha férrea nova (que não suporta mercadorias), onde irá passar o TGV, apenas para passageiros, ficando ao lado, uma outra linha para mercadorias com bitola ibérica, mas mercadorias com quem? Se o custo que temos para exportar para França, por exemplo, é o que vamos passar a ter para exportar para Espanha e outros países da Europa, sendo que vamos ter que passar a ter um carregamento de um comboio que vem de Portugal, para um comboio que depois seguirá por Espanha, ou seja, o procedimento existente na actual cidade de “Irun” passará a ter que ser na fronteira de Portugal com Espanha.

Assim, é minha convicção que em vez da compra de TGV’s, que servem apenas para o transporte de passageiros, algo que os Alfa’s já fazem e os Aviões também, deverá ser feita uma transformação à linha férrea Portuguesa, ou seja, o investimento realizado na transformação da actual linha, tendo em conta a actual conjuntura económica do País, tem um maior e mais rápido retorno na economia, proporcionando uma maior rentabilidade, desenvolvimento económico e outras actividades, como por exemplo, o turismo.

Num futuro próximo, o que iremos ter, como rede de transportes ferroviários na Península Ibérica será algo deste género, com a Espanha com a sua rede totalmente de bitola internacional e Portugal a ligar Espanha apenas por duas redes de bitola internacional. Espanha, como se pode ver na imagem ao lado, terá uma das maiores redes ferroviárias do mundo.

Se é verdade que o TGV irá diminuir o tempo de transporte entre cidades, também é verdade que irá diminuir o número de camionistas das estradas se fosse aplicado para mercadorias. Melhor do que uma auto-estrada rodoviária, uma “auto-estrada” ferroviária, diminui o tempo de transporte e o custo que se tem actualmente no preço dos combustíveis. Empresas do sector automóvel, como a Autoeuropa e outras, estariam mais perto da Europa e a probabilidade de saída de Portugal diminuiria com os seus custos de transporte a serem reduzidos. Para além das empresas que se mantêm, Portugal poderia novamente voltar a ser competitivo com as Empresas Europeias, levando um custo inferior se fosse feita esta modernização. O caso dos portos de Sines e Setúbal, principalmente o de Sines, poderia ser a porta da Europa, retirando muitas mercadorias que são transportadas por barcos até ao norte da Europa, ou seja, as mercadorias se fossem deixadas em Portugal levariam um custo menor e poderiam ser mais rapidamente distribuídas pela Europa, bem como a recepção de mercadorias a serem exportadas.

No que toca ao Turismo, que tinha sido anteriormente referido, a possibilidade de turismo via-férrea era uma realidade que se vê praticada em Espanha e não existe em Portugal. Em Espanha é muito comum a substituição de um Cruzeiro por um passeio de comboio. O reaproveitamento de algumas linhas antigas e a sua restauração, algo que em Portugal se foi passando a usar cada vez menos, tem criado alguma riqueza e dinamismo à economia do país vizinho.

Assim, é minha crença que em vez de um Portugal Global, voltará a ser um Portugal Orgulhosamente sós!

sexta-feira, março 12, 2010

Dez anos depois do crash do Nasdaq

(Notícia do EXPRESSO Online)
Duas derrocadas sucessivas a 11 e 28 de Março de 2000 na bolsa do Nasdaq em Nova Iorque marcariam o fim da euforia das dot.com, de uma das mais exuberantes 'bolhas' tecnológicas. Contudo, a década não se ficaria por uma só bolha e um só crash. O padrão repetiu-se. Carlota Perez, uma investigadora de Cambridge, explica as razões intrigantes desta sucessão de euforias e pânicos em apenas dez anos.

Hoje, 11 de Março, "comemora-se" o início do crash do Nasdaq. A derrocada da bolsa nova-iorquina das empresas tecnológicas ocorreria a 11 de Março de 2000 e depois a 28 do mesmo mês, e finalmente entraria num plano inclinado, sem retorno, depois de 14 de Abril.




No início de 2000, a euforia em torno da "Nova Economia" e das dot.com continuava apenas com pequenos beliscões, a que ninguém ligava. Uma multidão de gurus, de chefes de empresa, de empreendedores e de jornalistas continuava a viver um sonho. Kevin Kelly, o fundador da revista de culto Wired, falava, a partir do Silicon Valley californiano, de uma ruptura com as revoluções industriais anteriores e cantava a epopeia dos "imensos jovens empreendedores de 20 anos do Vale a valerem mais de meio bilião de dólares" quase do dia para a noite. Ele inventou dez mandamentos da Nova Economia que seriam repetidos pelos crentes.



A AOL - American on Line -, uma das estrelas da época, resolvia adquirir em Janeiro a Time Warner, um gigante dos media e do entretenimento. Viria a revelar-se um fiasco, mas, na altura, quase ninguém arriscava dizê-lo. A Yahoo, outra das estrelas da era Internet, atingia um máximo no Nasdaq (a bolsa das empresas tecnológicas em Times Square, em Nova Iorque) com as acções a venderem-se a mais de 400 dólares.



Rumores de derrocada





Apenas uma minoria de analistas, a contracorrente, avisava que o Nasdaq estava a chegar a um pico e que a "exuberância irracional" (como lhe chamara Alan Greenspan, presidente da Reserva Federal americana, em Dezembro de 1996), esse monstro de valorizações absurdas das dot.com, geraria o seu contrário: uma derrocada bolsista monumental.



O fiasco do chamado bug do milénio (conhecido por Y2k) deixou muita gente chocada e o flop do comércio electrónico no Natal de 1999 gerou muitas dúvidas sobre a ascensão meteórica da "nova economia".



Em Fevereiro de 2000, os rumores de crash iminente na bolsa das tecnológicas nova-iorquina avolumavam-se, como então o Expresso noticiou , face à incredulidade dos homens do capital de risco (venture capital, na expressão em inglês que ficou célebre), dos empreendedores da economia digital, celebrizada por Don Tapscott, ou dos futuristas optimistas, como Harry Dent e Peter Schwartz.



Num estudo posterior ao crash, de Tessaleno Devezas, Harold Lindstone, e Humberto Santos, referia-se que, no espaço de trinta anos, no período de uma geração, a infra-estrutura da Internet passara dos primeiros passos em 1969 (com a Arpanet) para o seu pico em 1999 (uso do Protocolo Internet v6), sendo previsível que se passasse de "fase" e que uma correcção drástica nos activos ocorresse.



Casos, como a emergência da Google (que, em seis anos, desde que entrou em bolsa em 2004, passou a valer quase tanto como a mais "velhinha" Apple) e a difusão das plataformas de redes sociais mais recentes, são já filhos dessa nova fase.



Março negro





Os dias do apocalipse tecnológico ocorreriam a 11 de Março e depois a 28 de Março, numa dupla assinatura inesperada. O índice do Nasdaq saltou de 2600 pontos em Abril de 1999 para mais de 5132,52 pontos no pico histórico durante a sessão de trading 10 de Março de 2000. Depois desceria, mas voltaria a subir até aos 5040 pontos a 27 de Março, criando a ilusão de que a derrocada inicial teria sido passageira, em "V". Mas, mortiferamente, a partir de 28 de Março voltaria a cair espectacularmente até 14 de Abril (34% em duas semanas e meia), e até ao final do ano num processo em ziguezague, fechando nos 2251,7 pontos.



A quebra do Nasdaq no dia 14 de Abril foi de 10%, a quarta maior da história das bolsas americanas num só dia. Os maiores pânicos financeiros diários em Wall Street até à data foram a 19 de Outubro de 1987 (a célebre Black Monday) e em 19,28 e 29 de Outubro de 1929 (datas ordenadas por ordem decrescente da dimensão da queda bolsista). Na mais recente crise financeira de 2007/2009, a maior queda diária em Wall Street ocorreu a 15 de Outubro de 2008, durante o pânico financeiro, e foi de 7,87%.



Um caso de estudo





A velocidade da derrocada do Nasdaq ainda hoje é um caso de estudo. A quebra seria de 56% em apenas dez meses, enquanto, no mesmo período na crise de 1929/1930, a queda seria de 31% e, entre Outubro de 2007 e Julho de 2008, na primeira fase da crise recente, foi apenas de 18%.



Entre o pico da bolha do Nasdaq em Março de 2000 e o ponto mais baixo desta crise em 9 de Outubro de 2002 - quando o índice tecnológico atingiu 1114, 11 pontos - a derrocada somou quase 80%.



Segundo os cálculos da altura do analista Peter Cohan, a destruição de valor durante esta derrocada teria atingido os 6 triliões de dólares (quase 7 biliões de euros, ao câmbio da altura), 60% do PIB americano naquele ano. Quase dez anos depois, o Nasdaq ainda está abaixo dos 2300 pontos, no patamar em que fechou o ano de 2000.



Durante a euforia das dot-com, o rácio do preço das acções em relação aos ganhos (designado em inglês por P/E, price earnings ratio, ou simplesmente por múltiplo) no conjunto das 500 empresas cotadas incluídas no índice da Standard & Poor's (que abrange todas as bolsas americanas) havia chegado a valores superiores a 44, acima dos 32,5 que atingira em Setembro de 1929 (ver quadro I em anexo ), como então o sublinhou Robert Shiller, o académico de Yale que publicaria em Abril de 2000 um livro marcante, precisamente intitulado "Exuberância Irracional".



No caso do Nasdaq, o múltiplo atingiu em 1999 mais de 200 e em 2000 ainda estava nos 125! Shiller disse-nos, então, em entrevista ao Expresso , "que não havia paralelo". O volume de negociação no pico do Nasdaq chegou a atingir o dobro do que ocorria no New York Stock Exchange, onde estavam cotadas as empresas da "velha economia".



As duas bolhas seguidas





Mas o que parecia estar enterrado em finais de 2001 voltou a renascer das cinzas, não no Nasdaq, em Times Square, mas nas bolsas tradicionais em Wall Street, na baixa de Manhattan. O índice Dow Jones, depois da quebra de 2001, subiria ao máximo histórico de quase 14100 pontos em 15 de Outubro de 2007, segundo a Barron's.



Carlota Perez, investigadora em Cambridge, no Reino Unido, especialista em ciclos tecnológicos, fala de um padrão de duas bolhas associadas nesta última revolução das tecnologias de informação. Uma primeira fase de "instalação" em que a exuberância irracional campeou pelas novas empresas tecnológicas, alimentando uma primeira bolha e depois uma derrocada, a que se seguiu alguns anos depois (menos de uma década) uma bolha financeira e um crash mais amplo e global.



Mas a seguir a essa tormenta de duas derrocadas, poder-se-á seguir o bom tempo, uma fase de "posicionamento" e "maturidade" da nova tecnologia, uma era de ouro. A investigadora garante, com optimismo, que estamos em transição para essa era, ainda que admita que se fique por algo menos radiante, meramente "dourado": "Esse é o perigo que corremos hoje". Se não forem adoptadas medidas de contenção da financeirização e de prioridade ao capital produtivo, diz a investigadora na entrevista que nos concedeu (que pode ser lida aqui em inglês ).



Ao fim destas duas tormentas há um grupo de líderes da revolução tecnológica iniciada nos anos 1970 que parecem consolidar-se (ver quadro II em anexo ). A Amazon surge como a empresa internet com maior múltiplo de valorização e a Microsoft, apesar dos "ataques" de uma renovada Apple ou da emergente Google, consegue manter-se no topo da capitalização bolsista, ainda que com um múltiplo muito mais baixo.



Atracção fatal





O que hoje parece absurdo é como no espaço de uma década os investidores caíram na mesma armadilha duas vezes. Da primeira vez, entusiasmaram-se com uma tecnologia espantosa, uma inovação "básica", como lhe chamam os especialistas em tecnologia. Da segunda vez, seguiram o filão da especulação imobiliária.



Nos dois momentos, houve sempre um mesmo padrão de comportamento que funcionou como uma atracção fatal: o cheiro da realização de ganhos financeiros rápidos. O pano de fundo: uma vaga de financeirização sem paralelo desenrolou-se ao longo de duas décadas.



Primeiro, no final dos anos 1990, em torno das entradas em bolsa das start-ups da nova economia. E, num segundo andamento, no final da década de 2000, através de um processo de alavancagem inacreditável realizado com veículos financeiros (alguns deles sairiam do anonimato em meados de 2007, como o famoso subprime) assentes numa onda de inovação financeira ("algo sem paralelo", sublinha-nos Carlota Perez), na bolha imobiliária e nas benesses dadas por Alan Greespan com uma taxa (de juros) directora da Reserva Federal a valores muito baixos entre 2002 e 2004.



Em termos reais, as taxas de curto prazo, nos EUA, desceram abruptamente de 5% em meados de 2001 para 0% em meados de 2002. O incentivo a um comportamento de alto risco não poderia deixar de acontecer.



O papel crucial destes novos veículos financeiros - que subitamente se tornaram nomes ou siglas mediáticas, como subprime, MBS, SIV, cds, etc. - continua hoje a ser estudado e gera polémica. Gary A. Dymski, professor de Economia da Universidade da Califórnia, em Riverside, salientou inclusive que esta crise financeira recente é distinta das anteriores do século XIX e XX em virtude justamente do papel destes novos veículos.







Do animal spirits à arritmia cíclica





O comportamento aparentemente "irracional", que vimos repetir-se durante estes dez anos, é a fase visível do mecanismo de pensamento e acção das multidões e nasce de uma pulsão para a euforia e o pânico típicos do animal spirits que cada um de nós tem. O credo que se repete é sempre o mesmo: "desta vez é diferente".



Por isso há como que uma "clonagem" sempre que as circunstâncias são propícias à especulação financeira, apesar das lições da história. Só uma minoria se lembra da sua própria experiência ou de gerações anteriores, e sai a tempo, antes do pânico.



Historicamente este padrão de comportamento é sempre narrado ex post. Mas a história económica (bem como outras dimensões da história) é arrítmica. O padrão é cíclico, mas desenvolve-se, primeiro, sem grande ruído, e, depois, apanha-nos de surpresa. As quebras são sempre súbitas, abruptas, precipitadas e inesperadas. As suas causas profundas são, anos ou décadas mais tarde, descritas com facilidade pela pena dos historiadores económicos, mas as crises são provocadas por factos aparentemente irrelevantes ao senso comum.



No início de 2000, misturaram-se coisas a quem ninguém ligou, como o fiasco do bug do milénio, a desilusão com o e-commerce natalício e a estupefacção com a compra da Time Warner pela AOL. Em meados de 2007 seriam umas peripécias em torno de um veículo financeiro desconhecido, o subprime. Só algumas mentes a contracorrente viram nesses sinais, sinais de crise. Simplesmente, nunca têm massa crítica para hegemonizar o estado de espírito dos meios profissionais e da opinião pública.

quinta-feira, março 11, 2010

Portugal: Economia nacional contrai 1% no último trimestre

(Notícia do Diário Económico)

O Instituto Nacional de Estatística (INE) reviu em baixa as suas estimativas para a evolução da economia portuguesa no final de 2009.




Nos últimos três meses do ano passado, o PIB nacional contraiu-se em 1% face ao período homólogo, mais 0,2 pontos percentuais que o inicialmente estimado pelo INE.



Em cadeia, o PIB português cai 0,2%, a primeira contracção após dois trimestres consecutivos de crescimento.



No balanço de 2009, o INE mantém a previsão de uma contração do PIB de 2,7% face à variação nula de 2008.

Resumo do Relatório do INE


Em 2009, o PIB registou uma diminuição de 2,7% em volume, após a variação nula verificada no ano anterior. O contributo da procura interna para esta variação foi negativo (-2,8 pontos percentuais), enquanto o da procura externa líquida foi ligeiramente positivo (0,1 p.p.), reflectindo a maior redução em termos absolutos das importações comparativamente à observada nas exportações. O comportamento das principais componentes da procura interna foi diferenciado, assistindo-se a uma redução acentuada do investimento, a uma redução moderada do consumo final das famílias e a um aumento do consumo final das administrações públicas. Em termos nominais, o PIB ascendeu a cerca de 163,6 mil milhões de euros, menos 1,7% que no ano anterior.

No 4º trimestre de 2009, o Produto Interno Bruto (PIB) diminuiu 1,0% em volume face ao período homólogo de 2008 (variações de -2,5%, -3,4% e -3,8% respectivamente no 3º, 2º e 1º trimestres de 2009). A redução menos intensa do PIB em termos homólogos no 4º trimestre esteve associada ao contributo menos negativo da procura interna, que passou de -2,2 p.p. no 3º trimestre para -1,2 p.p. no seguinte, e ao aumento do contributo da procura externa líquida, que se fixou em 0,2 p.p. (-0,3 p.p. no trimestre anterior). Comparando com o 3º trimestre de 2009, o PIB registou uma diminuição de 0,2%. Relativamente à estimativa rápida do 4º trimestre de 2009, as taxas de variações do PIB, homóloga e face ao trimestre anterior, são revistas em baixa em 0,2 p.p., reflectindo sobretudo nova informação sobre o comércio internacional (valores nominais e deflatores).

Clique aqui para fazer o download do relatório

segunda-feira, março 08, 2010

O PEC em 5 minutos

(Notícia do Diário Económico)

Conheça aqui as principais medidas apresentadas hoje pelo Governo para controlar as contas públicas até 2013.






DESPESA



TGV ADIADO: construção das linhas de alta velocidade entre Lisboa/Porto e Porto/Vigo são adiadas durante dois anos.

CORTE NO INVESTIMENTO PÚBLICO: o peso do investimento público no PIB vai cair de 4,2% em 2009 para 2,9% em 2013.

SALÁRIOS CONGELADOS: os funcionários públicos vão ter aumentos salariais abaixo da inflação até 2013.

APOIOS À ECONOMIA: algumas das medidas anti-crise, como o alargamento do subsídio de desemprego e o subsídio de contratação de jovens, vão ser retiradas já em 2011.

TECTO MÁXIMO PARA BENEFÍCIOS FISCAIS E DEDUÇÕES: os contribuintes vão passar a ter um tecto máximo para os montantes dos benefícios e deduções fiscais de que poderão beneficiar.

CORTE NAS PRESTAÇÕES SOCIAIS: o Governo vai cortar em 0,5% os gastos com prestações sociais até 2013.





RECEITA

NOVO ESCALÃO DE IRS: o Governo cria um novo escalão de IRS de 45% para quem tenha rendimentos anuais superiores a 150 mil euros. A nova taxa será temporária e vai durar até 2013. Estas medidas incidem já sobre os rendimentos obtidos em 2010.

TRIBUTAÇÃO DAS MAIS-VALIAS DA BOLSA: os contribuintes que detenham acções há mais de um ano vão perder a isenção e passar a estar sujeitos a uma taxa de 20%.

PRIVATIZAÇÕES: Esta será a principal via para reduzir a dívida pública. O Governo prevê um encaixe de 6 mil milhões de euros de receitas.

domingo, março 07, 2010

Outra vez Angola.

Todos os meus alunos, os leitores dos meus textos e os seguidores das minhas intervenções públicas sabem que coloco Moçambique como o país da Lusofonia com maior potencial de crescimento quando pensamos a pelo menos uma dúzia de anos de distância. No entanto, no curto prazo e nos próximos dois, três ou quatro anos voltaremos a sentir o apelo irresistível de Angola.




A retoma da economia mundial será uma inevitabilidade, ainda que possa não recuperar rapidamente o ritmo de crescimento que existia antes da crise financeira, pois os Estados Unidos e a Europa tenderão a crescer agora de forma mais lenta enquanto a Ásia e alguns dos mais dinâmicos países emergentes aumentarão a sua fatia no bolo da riqueza global.



A retoma significa também um aumento da procura nos principais mercados, mais rápida do que o aumento da oferta com a consequente pressão inflacionista. Esta realidade significa que os portugueses, enquanto consumidores, pagarão o petróleo mais caro, mas significa simultaneamente uma excelente notícia para Angola, cuja massa monetária em circulação depende largamente das receitas do petróleo. Assim, a economia de Angola voltará a gozar de enorme liquidez financeira pelo que brevemente voltaremos a ter as empresas portuguesas que se estavam a retrair quanto a este mercado, especialmente pelos prazos médios de pagamentos deteriorados dos últimos dois anos, a voltarem em força a querer explorar este mercado. Utilizo a expressão explorar e não investir porque ainda existem demasiadas empresas que vêem Angola apenas como uma fonte de resolução dos seus problemas de curto prazo em Portugal, mas não conseguem olhar para Angola (ou Moçambique) como, verdadeiramente, o seu primeiro mercado de actuação.



Assim, podemos perspectivar o retomar da debandada para Angola e do desejo de entrada nesse mercado privilegiado, mas continuarão a ser apenas algumas, em geral as maiores e os grupos económicos, a definirem estratégias coerentes para a actuação no mercado africano baseado na criação de valor a longo prazo.

sexta-feira, março 05, 2010

Sócrates/Moçambique: Portugal disponibiliza mais de mil milhões de euros para projectos de desenvolvimento.

(Notícia do SAPO Moçambique)

Portugal vai disponibilizar mais de mil milhões de euros para financiar projetos de desenvolvimento em Moçambique, um deles a ponte para Catembe, em Maputo, um dos maiores dos próximos anos.


O anúncio foi feito hoje na capital moçambicana pelo primeiro ministro português, José Sócrates, no final de uma conferência sobre energias renováveis, que juntou empresários portugueses e moçambicanos e que culminou com a assinatura de uma dezena de protocolos.



Segundo o primeiro ministro, que sexta feira conclui uma visita de três dias a Moçambique, o banco luso-moçambicano que quarta feira foi criado vai analisar também o financiamento de projetos como o da construção da central norte da barragem de Cahora Bassa e a “espinha dorsal” de distribuição de energia, que vai ligar o país de norte a sul, dois dos empreendimentos de maior vulto em Moçambique nos próximos anos.

domingo, fevereiro 28, 2010

Sobre os comentários ao texto "Nuvens no Horizonte"

Em primeiro lugar, quero agradecer a todos os que se deram ao trabalho de comentar o meu texto “Nuvens no Horizonte”, bem como a simpatia das palavras que me endereçaram sobre esta iniciativa. Agradeço também a todos os que pessoalmente ou através de mensagens privadas me felicitaram por este novo projecto.


Quanto aos comentários propriamente ditos, penso que, apesar de todas as dificuldades que atravessamos e que ainda teremos de atravessar, os portugueses acabarão por ultrapassar o reajustamento estrutural da economia portuguesa. Inevitavelmente, esperam-nos mais alguns anos de dificuldades, mas a reestruturação do modelo económico português acabará por ser feita, antes do final desta década. Acredito mesmo que, 2018 marcará o “fim da crise”no nosso imaginário colectivo, eventualmente com um pontapé de saída do campeonato mundial de futebol num estádio da segunda circular.

Por um lado, a crise orçamental do Estado, sendo recorrente na nossa história económica é também o resultado das governações de facilitismos do passado, especialmente as governações dos tempos de crescimento económico, com particular destaque para a década de 90. Utilizámos a folga que tínhamos para contrair obrigações em despesas correntes que, sem um cenário de inflação tornam-se agora difíceis de superar. Os direitos adquiridos do passado são nesta fase pesos mortos e gorduras que não desaparecem… Não deixa de ser curioso que o criador do monstro o tenha também baptizado em tom crítico!

Por outro lado, a nossa estrutura comercial externa é uma preocupação de longo prazo que continuará a reduzir a nossa tendência de crescimento do PIB Potencial.

Qualquer um dos dois pontos focados acima preocupam-me bastante mais que a notação de risco que as agências de rating nos atribuem nestes dias, afinal de contas passaram os últimos dez anos a cometerem erros de palmatória e a enganarem-se consecutivamente sobre as realidades económicas. Claro que pagaremos o dinheiro mais caro e isso vai sair-nos do bolso, mas a realidade económica espanhola é bem mais preocupante que a portuguesa e uma crise ao “estilo grego” é não só mais provável em Espanha, como teria consequências profundas no nosso país, aceleradas pelos mecanismos de transmissão potenciados pela integração económica ibérica actual.

Quanto ao futuro, é verdade que as gerações que nos sucederem terão muito provavelmente de se confrontar com um país de retaguarda para muitas actividades económicas, em que os melhores terão de sair de Portugal para prosseguirem as suas carreiras, mas isso resulta também da nossa pequenez de mercado. No entanto, ao mesmo tempo em que o Portugal da era industrial cai a pique, vai nascendo o Portugal plataforma logística e de serviços que marcará a década de 2020.

No entanto, é inegável que atravessar outra década de ajustamento estrutural é uma perspectiva extremamente desanimadora, em particular para quem termina agora os seus cursos universitários e desde criança que houve falar em crise. Infelizmente, não haverá muitas possibilidades de inversão nos próximos tempos. O modelo económico português não estava preparado para a competição global, nem aproveitámos os fundos comunitários que nos foram atribuídos precisamente para fazer essa preparação. Assim, restam-nos duas hipóteses: ou fazer este ajustamento até ao fim e aguentar não só a mudança, mas também as crises conjunturais que se vão sobrepondo; ou seguir o caminho “mais fácil” apontado por Olivier Blanchard, reduzindo o salário mínimo nacional para 150 Euros, afirmando que acabavam os nossos problemas com o desemprego, esquecendo-se que acabaria também toda e qualquer perspectiva de nos tornarmos numa economia desenvolvida, baseada em alto valor acrescentado, altas qualificações e remunerações compatíveis com alta produtividade. Para não comprometermos dessa forma o futuro dos nossos netos e bisnetos, prefiro que suportemos subsídios de desemprego de trabalhadores não convertíveis ao novo modelo para que estes possam mandar os filhos para as universidades e que no futuro tenhamos trabalhadores mais qualificados, por exemplo engenheiros em lugar de operários não qualificados, nas nossas indústrias.

domingo, fevereiro 21, 2010

Nuvens no horizonte

A recuperação económica parece começar a ganhar consistência nos Estados Unidos da América e em alguns países europeus, o que a prazo significará uma boa notícia para Portugal.

No entanto, esta realidade positiva demorará a chegar até nós e é importante neste momento perspectivar a conjuntura do espaço temporal que se aproxima. Neste caso, a compreensão do futuro próximo não é particularmente difícil, uma vez que basta pensarmos nas tendências fundamentais do período pré-crise para entendermos o que vão ser os próximos tempos. Há dois anos atrás, os países em desenvolvimento cresciam a um ritmo elevado, convergindo com as economias mais desenvolvidas e atingindo novos patamares de acesso a bens de consumo. Assistíamos, então, a uma enorme transferência de riqueza do Ocidente para os países emergentes, num inevitável movimento de recuperação de desequilíbrios ancestrais, que o processo de globalização potenciou. Ora, o clima de expansão económica significará o retorno a este cenário global. No entanto, Portugal está a viver, há quase uma década, um período de ajustamento estrutural em que indústrias baseadas em mão de obra intensiva e barata, para os padrões europeus, têm vindo a desaparecer, num processo de transformação estrutural no sentido de uma economia avançada baseada em alto valor acrescentado. Infelizmente, este ajustamento do modelo económico português ainda vai demorar mais alguns anos a estar completo e consequentemente a podermos sentir os seus efeitos e benefícios. No entretanto, somos confrontados com o encerramento de unidades produtivas com centenas de trabalhadores, enquanto as novas unidades baseadas no conhecimento utilizam menor quantidade de recursos humanos ainda que com produtividade incomparavelmente superior. Assim, a subida do desemprego e os desequilíbrios sociais inerentes são inevitáveis.

A retoma económica levará ao aumento da procura nos mercados mundiais, significando o retomar da escalada dos preços interrompida temporariamente pela crise financeira internacional vivida nos dois últimos anos.

Este é um elevado risco que nós portugueses corremos: ser apanhados por este movimento generalizado de subida dos preços, com especial destaque para o petróleo, os produtos alimentares e a generalidade dos bens essenciais, numa fase em que a retoma económica ainda não se faz sentir na esmagadora maioria dos lares portugueses, em que o desemprego continuará a aumentar e os orçamentos familiares continuarão em contenção. Neste cenário, com a conjugação destes factores, a perda de poder de compra, natural em tempos de crise, será temporariamente agravada pela conjuntura internacional, podendo vir a representar uma perda total entre os vinte e os trinta por cento dos cabazes de compras dos portugueses, durante este ano e o próximo.

Este é um cenário que não nos pode apanhar desprevenidos!

Armadilha da Liquidez

Não raras vezes, durante os últimos meses, temos assistido às sucessivas quedas nas taxas de juro, quer no que diz respeito às taxas de referência para os mercados monetários, quer no que diz respeito às taxas Euribor para o caso dos empréstimos interbancários. Ainda no passado dia 5 de Março, Jean-Claude Trichet anunciou que a taxa de referência para a Zona Euro seria de apenas um e meio por cento, cortando assim meio ponto percentual face ao mês de Janeiro.

Ora, tendo em conta a actual conjuntura económica, estes cortes sucessivos deveriam funcionar como um estímulo para a supressão da crise. Presenciamos, porém, que o perigo da economia norte-americana cair numa armadilha da liquidez é cada vez mais real.



Podemos afirmar que estamos em presença de um cenário macroeconómico de armadilha da liquidez sempre que a taxa nominal de juros (aquela que resulta da actividade do banco central) for tão baixa e a expectativa desta subir tão elevada, que resulte numa sensibilidade infinita entre a procura de moeda e a própria taxa de juros e, por conseguinte, as pessoas serão levadas a preferirem reter a liquidez.

Aliás, o famoso economista Keynes, pioneiro na análise teórica do cenário macroeconómico de armadilha da liquidez, definiu a mesma quando se presencia o facto do aumento de moeda cair numa armadilha ou, dito de outra maneira, quando as pessoas e os demais agentes estão dispostos a terem mais moeda, ou seja, mais liquidez, quando se verificar uma taxa nominal de juros com valores próximos de zero. Numa situação destas, a eficácia das políticas económicas está posta em causa, nomeadamente no que diz respeito ao uso da política monetária (variações da taxa de juros, injecção de liquidez no mercado, etc.) uma vez que, nesta situação, a política monetária torna-se ineficaz e, por outro lado, a política orçamental (aumento dos gastos do estado), que perante esta situação deveria ser responsável pelo aumento do produto, na prática, também estará condicionada, uma vez que a taxa real de juros (taxa nominal de juros deduzida da inflação) será mais elevada devido à desinflação verificada e às taxas de juro bastante reduzidas.

Efectivamente, tendo em conta o cenário de recessão económica de que tanto se fala, os respectivos bancos centrais das economias mais poderosas, nomeadamente Reserva Federal Norte-Americana, Banco Central Europeu e Banco do Japão, não hesitaram em baixar as suas taxas de juro de referência como uma medida fulcral para a estimulação dos mercados financeiros e monetários e, consequentemente da economia real, no objectivo primordial do combate à crise económica e social que se verifica. Primeiramente, Ben Bernanke, responsável máximo do FED, optou por cortar as taxas de juro de referência para o mercado americano, de modo a ir ao encontro da estabilização dos mercados e das bolsas e, também, incentivando a recuperação económica. É ainda de salientar, com a ajuda do gráfico abaixo indicado, que os sucessivos anúncios dos cortes nas taxas norte-americanas resultaram, numa taxa nominal de juro praticamente nula, algo nunca antes visto nas estatísticas da economia americana. A nível europeu o cenário não difere do panorama americano; apesar de actualmente existir um diferencial entre as duas taxas de referência, que é de, aproximadamente, dois por cento, o certo é que existe em comum o facto do BCE, liderado por Jean-Claude Trichet, ter adoptado a mesma acção, isto é, sucessivos cortes significativos nas suas taxas de referência para os mercados europeus. Aliás, o facto de se verificar um conjunto de medidas idênticas por parte da Europa e dos EUA, poder-se-á justificar com a cada vez maior interdependência económica a nível internacional, já há muito defendida por inúmeros economistas, podendo-se salientar o último prémio Nobel da Economia e académico na área da economia internacional, Paul Krugman.



Fonte: FED e BCE.





Tendo em conta as últimas estatísticas oficias de organismos como o Eurostat, existe ainda outro aspecto que preocupa seriamente muitos economistas e restante classe política, ou seja, o cenário de desinflação (que significa uma queda dos níveis de preços). Mais grave ainda será o cenário de uma transformação de desinflação para deflação, o que, perante tais acções dos respectivos bancos centrais das principais economias ou blocos económicos, poderá resultar num aprofundar da actual crise para uma situação macroeconómica bastante complexa. Tão importante como analisar quais as origens de uma grave crise económica, é ter em mente quais as medidas certas a implementar para combatê-la. Deste modo, e como anteriormente referido, um cenário de liquidity trap será, muito certamente, sinónimo de dificuldade na aplicação das políticas orçamentais e monetárias. De facto, a perturbação no uso das políticas monetárias irá-se prender com o facto das taxas nominais de juro estarem a atingir mínimos históricos, o que causará uma ineficácia desta importante política caso se continue a verificar a direcção das taxas de referência dos diversos bancos centrais.

Por ouro lado, haverá também um risco relacionado com a implementação das políticas fiscais no sentido em que a conjugação da baixa das taxas de juro e o cenário de baixa do nível de preços, que significará taxas reais de juros relativamente elevadas o que, por sua vez, impedirá os respectivos formuladores de política económica de aplicarem as suas políticas orçamentais como um valioso meio para combater a queda do PIB.

Mais uma vez, pegando no caso preocupante dos EUA, que actualmente apresentam taxas de referência próximas de zero por cento, convém não esquecer a velha lição para a Europa e para o mundo; uma vez que a economia norte-americana está prestes a cair numa situação de armadilha da liquidez, todas as economias mundiais terão de redobrar esforços no sentido em que, certamente, se irá manter a avareza em matéria de importações o que, como nos mostra o passado, será o acender do rastilho para uma crise sem fim à vista. A esperança transmitida pela nova administração americana, presidida por Barack Obama, terá uma árdua tarefa na condução de políticas macroeconómicas uma vez que, caso estas sejam mal conduzidas, convém reter as sábias palavras do famoso economista do MIT – Massachusetts Institute of Technology –, Olivier Blanchard, quando este afirmou que os economistas são, no fundo, como os oncologistas: já descobriram muito mas ainda não descobriram tudo o necessário para salvar vidas…

Artigo escrito em Setembro 2009, por:
Mário Fernandes e José Paulo Oliveira
Investigadores do Observatório Lusófona de Actividades Económicas (OLAE) - Centro de Investigação da Universidade Lusófona



Para descarregar o ficheiro original clique em:
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1493787

Fontes de Financiamento para o Desenvolvimento

A necessidade de repensar as fontes de financiamento para a Ajuda Internacional ao Desenvolvimento emergiu como uma consequência inevitável da conferência do Milénio das Nações Unidas, em Setembro de 2000, em que foram adoptados os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Para atingir este conjunto de objectivos no ano 2015, será necessário, segundo o Relatório Zedillo, aumentar o volume actual de Ajuda em 50 mil milhões de dólares anuais, o que poderá ser feito duplicando o valor actual da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) ou encontrando fontes alternativas de financiamento.

Os líderes dos Países Desenvolvidos comprometeram-se a aumentar a APD em percentagem do PIB, da situação actual para uma média de 0.29 por cento do PIB dos países membros do CAD, em 2006. A APD representa um papel fundamental no desenvolvimento dos países com menos recursos, até porque são estes países que recebem menos capitais privados. Nos países menos avançados (PMA) os fluxos de capitais privados ficam-se pelos 3.64 por cento do PIB, muito abaixo dos valores dos países mais avançados.

Peso da Ajuda no PIB, 2002

(em percentagem)

Mundo 0.22

OCDE -

Sudeste Asiático e Pacífico 0.41

África Subsaariana 6.32

Países Pobres Altamente Endividados (PPAE) 8.95

Países Menos Avançados (PMA) 8.69

Fonte: BANCO MUNDIAL World Development Indicators 2004

Dada a ineficiência passada da APD, os países doadores começaram a sentir “fadiga da Ajuda”, como resultado em termos reais o auxílio ao desenvolvimento tem vindo a diminuir em percentagem do PIB dos países desenvolvidos.

É hoje reconhecido que, a utilização da condicionalidade (imposição de uma série de condições incluindo algumas de natureza política para concessão de Ajuda) não conduziu a melhores políticas, não acelerou o crescimento nem produziu melhores resultados. Existindo agora uma tendência para a Selectividade, ou seja seleccionar os países a ajudar com base nas provas dadas no passado.

Muitos países são demasiado pobres e/ou estão demasiado endividados para financiarem a sua transição para uma situação de desenvolvimento sustentável e nalguns casos as transferências de fundos de poupança doméstica em direcção aos países desenvolvidos, muitas vezes fundos apropriados pelas elites locais (incluindo os recursos que resultam da ajuda externa), com base em corrupção e outros meios ilegais, leva à necessidade de fundos externos para financiarem o seu desenvolvimento.

Os países em estádios iniciais e médios de desenvolvimento necessitam de amplas entradas de recursos financeiros que complementem as poupanças domésticas para financiar o investimento e consequentemente o crescimento económico. Uma vez que o problema do desenvolvimento económico está intimamente ligado à questão da redução da pobreza, observamos que o crescimento económico é a forma mais segura de retirar da miséria o maior número de seres humanos, pois o crescimento económico tende a beneficiar proporcionalmente todos os estratos sociais, incluindo o quinto mais pobre da sociedade, podemos afirmar que o crescimento é bom para os pobres, sendo a chave para a redução da pobreza.



O fenómeno da Globalização levou ao aumento dos fluxos de IDE com a perspectiva de produção multinacional, com divisão internacional do trabalho, beneficiando da redução de barreiras ao comércio e investimento internacional. Ao mesmo tempo, importantes inovações tecnológicas, no campo das telecomunicações e das tecnologias da informação facilitaram a coordenação das redes internacionais de produção (aumento da eficiência produtiva). Os mercados financeiros internacionais aumentam a eficiência e os lucros devido à divisão internacional do trabalho. O crescimento económico nos países emergentes é realçado não só pela disponibilidade de capital estrangeiro mas também pelo desenvolvimento dos centros financeiros locais que fazem a ponte com os mercados internacionais.

O IDE conduz a melhores práticas de gestão e potencialmente gerará “spillovers” tecnológicos que contribuem para o desenvolvimento económico. Os benefícios da globalização financeira são mais visíveis nos países em desenvolvimento com maior capacidade de absorção, logo para obterem maiores vantagens da integração financeira global os países devem procurar aumentar a sua capacidade de absorção. A capacidade de absorção de um país corresponde à quantidade de recursos financeiros que o país consegue utilizar para obter crescimento económico. A boa governação é um factor decisivo, condicionante da capacidade de absorção. Por outro lado, existe uma correlação positiva muito forte entre corrupção e má governação nos países em desenvolvimento.

Para atingir os Objectivos do Milénio, o Banco Mundial propõe uma solução com duas vertentes: Duplicar os actuais fluxos de Ajuda e realizar um novo compromisso com a “boa governação” por parte dos países receptores.

De entre as fontes alternativas de financiamento, podemos destacar as seguintes: aplicação de uma taxa sobre as transacções cambiais, apresentada por James Tobin ; criação de uma taxa “tipo Tobin” sobre as restantes transacções financeiras e a proposta de emissões especiais de Direitos de Saque Especiais (DSE) para doação aos países em desenvolvimento, apresentada por George Soros.

Segundo James Tobin, a excessiva mobilidade internacional dos capitais privados é o principal problema do sistema monetário internacional. O estabelecimento da convertibilidade completa entre as várias moedas e a desregulamentação dos mercados financeiros permitiu que os capitais financeiros se movimentassem rapidamente de um país para outro, em busca de uma maior rendibilidade, o que tem um enorme efeito limitador sobre a política monetária de um país.

Tobin, em 1978, apresentou duas soluções para os problemas causados pela mobilidade do capital. A melhor solução seria uma total integração económica global com uma moeda única comum e com políticas económicas comuns. Esta solução óptima fica reservada para o futuro.

Assim, Tobin apresentou uma solução alternativa que consiste na aplicação de uma taxa sobre as transacções cambiais. A aplicação da taxa Tobin será uma solução “second best” pois a melhor solução seria acabar com a especulação (com os seus efeitos nocivos) mas como não podemos acabar com esta distorção (especulação), introduzimos outra distorção (taxa) para diminuir os efeitos da primeira distorção. Obtemos, assim, uma solução “second best”.

O objectivo da taxa Tobin é lutar contra as flutuações excessivas das taxas de câmbio, ou seja as flutuações da taxa de câmbio que não têm relação com a situação da economia produtiva mas que a perturbam.

Segundo a teoria económica, as taxas de câmbio deviam ser determinadas pelos indicadores fundamentais das economias. Ora, estes indicadores fundamentais das economias são relativamente estáveis, enquanto os dados empíricos sobre as taxas de câmbio flexíveis mostram uma muito maior volatilidade do que os indicadores fundamentais.

A criação de um espaço de não transacção criado pelo custo da taxa permitiria uma maior diferença de taxas de juro entre os países, sem correrem o risco de ataques especulativos, o que abriria espaço para políticas monetárias mais interventoras, possibilitando ajustamentos na taxa de juros com o propósito de afectar o consumo, a poupança e o investimento interno sem implicar alterações na taxa de câmbio.

A autonomia política funcionaria apenas dentro dos limites alargados pelo efeito da taxa, fora destes limites o sistema continuaria a funcionar da mesma forma da actualidade. Este efeito é exemplificado pela figura, mostrando a existência de uma zona de não transacção provocada pela introdução de uma taxa Tobin, definida em torno do valor fundamental de mercado da taxa de câmbio, situada entre os limites inferior e superior. Apenas fora desta zona de não transacção, os especuladores teriam interesse em operar.

Zona de não transacção criada pela introdução da taxa Tobin



Entretanto, foram apresentadas outras propostas de criação de taxas globais com o objectivo de angariar fundos para a ajuda ao desenvolvimento dos países pobres, incluindo a implementação de uma taxa tipo Tobin sobre as restantes transacções financeiras em complemento da proposta de James Tobin, a criação de uma taxa ambiental sobre as emissões de dióxido de carbono, financiando bens públicos globais através da criação de taxas sobre alguns “males públicos globais”, tais como os movimentos de dinheiro sujo, a poluição ou as vendas de armas.

Perante as taxas globais, existe outro tipo de questões que não podemos esquecer, devem as taxas contribuir para acabarem os “males” sobre os quais incidem? Acabando por gerar receitas cada vez mais pequenas e tendendo para zero ou devem maximizar as receitas, acabando por sobreviver à custa da existência desses “males”? Devem os estados obter receitas, aplicando taxas sobre actividades pouco recomendáveis (ainda que não ilegais) como a especulação financeira, ainda que essas receitas sirvam para financiar bens públicos globais?

Nenhuma resposta parece ser definitiva.

George Soros apresentou uma proposta com o objectivo de aumentar a ajuda internacional ao desenvolvimento consistindo em emissões de DSE para doação, pelos países ricos, aos países em desenvolvimento.

Os países em desenvolvimento beneficiariam directamente, através da adição às suas reservas monetárias, e indirectamente, com o fornecimento de bens públicos à escala global.

A proposta de Soros centra-se na doação de 21 mil e 433 milhões de DSE, correspondentes à emissão de DSE autorizada pelo FMI em 1997 e que ainda espera por luz verde dos EUA, complementada por doações anuais de DSE, caso a primeira emissão seja aplicada com sucesso. A emissão especial proposta corresponde aproximadamente a 0,1% do PIB global, portanto a dimensão das emissões poderia aumentar, havendo mesmo necessidade de emissões regulares de DSE para financiar os países em desenvolvimento, segundo Stiglitz.

Do atrás exposto resultam valores previsionais de receitas que poderão representar fontes alternativas de financiamento para a Ajuda Internacional ao Desenvolvimento, conforme as três propostas analisadas.

Valor Previsional de cada Proposta

(em milhões de dólares)

Taxa Tobin sobre as transacções cambiais 40 000

Taxa tipo Tobin sobre as restantes transacções financeiras 40 000

Doação de Direitos de Saque Especiais 31 227





Individualmente, qualquer uma destas propostas representa entre 60 a 80 por cento da verba necessária, o que seria uma contribuição decisiva para o sucesso dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, observemos que para os conjuntos de países mais pobres, o impacto da aplicação de qualquer uma destas propostas é muito significativo, pois os valores da Formação Bruta de Capital Fixo situam-se entre os 40 e os 60 mil milhões de dólares anuais para os PMA, os PPAE ou para os Países da África subsaariana o que reflecte a dificuldade que estes conjuntos de países têm em progredir.

A aplicação destas propostas será um sucesso em termos do estrito cumprimento do objectivo de obtenção de receitas.

No entanto, pelo que atrás ficou exposto, parece evidente que não basta aumentar os recursos disponíveis para o auxílio aos países em desenvolvimento, sendo decisiva a forma como esses recursos são aplicados. A má governação, corrupção e o desbarato dos fundos internacionais é mais do que aparente, sendo necessária outra abordagem para garantir que o dinheiro dos contribuintes dos países ricos enviado para os países em desenvolvimento, serve os interesses daqueles que mais precisam e não acaba por regressar às praças financeiras mundiais, de maior importância (e/ou Off-Shores), fazendo o percurso de regresso tituladas por membros de elites locais corruptas que enriquecem à custa do aumento do sofrimento dos cidadãos dos seus países.

A solução ideal parece ser a existência de um governo mundial que, administre directamente a aplicação de fundos públicos globais, com a existência de uma moeda única global e de leis globais.

Os países com mais pobreza, melhor governação, maior transparência e com um ambiente macroeconómico favorável devem ser os mais ajudados, com o objectivo de conseguir melhores resultados a curto prazo e influenciar os restantes a alterarem as suas práticas.

A forma como os fundos para o auxílio internacional ao desenvolvimento são aplicados deve constituir a preocupação primeira quando, generosamente, reflectimos sobre a melhor ideia para aumentar esses fundos, pois o aumento de fundos para o financiamento do desenvolvimento sem enormes progressos na forma como são aplicados resultaria numa oportunidade perdida, condicionadora do futuro da humanidade. O que seria imperdoável.




Para descarregar o ficheiro original clique em:
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1506080